A cigana não leu o meu destino

Meu contrato com o Flamengo era de dois anos. Como o Fluminense foi bicampeão carioca e eu fui trocado pelo Doval, que ainda fez o gol do título de 76, adivinhem quem pagou a conta do primeiro troca-troca realizado no futebol brasileiro?

Desprestigiado e com Julio César subindo e voando, o jeito foi ouvir as propostas que chegavam à Gávea. Que eram duas: do Grêmio e do Santa Cruz.

Não havia a figura do empresário, eram nossos pais que resolviam. Como morava no Rio com meu cunhado, foi ele, engenheiro e inteligente, que sentou à mesa de negociações.

Tão diferente era o futebol, e tão pouco ambiciosas nossas pretensões, que não analisamos a fundo as duas agremiações. Na época, o Santa Cruz era do nível do Gremio, até melhor colocado no campeonato brasileiro.

De um lado, um usineiro presidente pernambucano disposto a cobrir qualquer proposta do sul. "Prometi desembarcar no Aeroporto dos Guararapes com meu ponta esquerda", dizia.

De outro, Telê Santana, que nos acompanhava desde os juvenis no Fluminense, treinador do Grêmio, acompanhou sua diretoria para nos buscar.

Eles ficaram hospedados no Hotel Plaza, em Copacabana. E lá conversamos três ou quatro dias.

Toda terça jogávamos, amigos, jogadores e meu cunhado, vôlei na praia. E levamos para mesa de negociações prioridades impensáveis nos dias de hoje: onde tem praia, Porto Alegre ou Recife?

E a temperatura, qual mais parecida com a do Rio?

Calma gente, a Bossa Nova, o samba, Belchior, Chico Buarque e João Nogueira que embalavam nossos sonhos. E surgia Cartola. Tudo era poesia, amor à camisa e se o dinheiro desse comprávamos um Buggy. Ou um Puma.

E optamos por Recife. Em Boa Viagem, vivi os três anos mais saudáveis da minha vida. A jangada saia cedo e trazia o peixe que você queria. Água de coco pagávamos por mês no quiosque em frente. E a Feirinha de Olinda?

O time, bicampeão Pernambucano, semifinalista do Brasileirão, foi inesquecível: Joel Mendes, Carlos Alberto Barbosa, Lula Pereira, Levir Culpi e Pedrinho. Givanildo, Wilson Carrasco, Betinho e eu. Luis Fumanchu e Nunes. Técnicos: Jouber Meira e Evaristo Macedo.

Só teve um problema, mas este ficou por conta da história. Ela é cruel e não perdoa. Ao nos perder, Telê foi buscar o seu plano B. Um ponta esquerda pouco conhecido que jogava no América-MG. Ele se chamava Éder.

Estou falando de 77, cinco anos depois Telê e Éder disputaram, na Espanha, a Copa do Mundo de 82. Eu, operado no joelho, desembarcava em Campos para defender o Americano, feliz toda vida por ter passado no exame médico.

Se faria tudo igual? Claro que sim, apenas procuraria uma cigana para ler o meu destino.

Quem sabe?

Por José Roberto Padilha

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