Papa Francisco: uma década de Igreja em saída

No dia 13 celebramos o décimo ano de pontificado de Francisco. Louvamos e bendizemos agradecidos a Deus por sua santidade e pastoreio, não obstante reações lamentáveis, sobretudo, de setores reacionários da Igreja. Fazemos nosso o artigo de Dom Marcelo Barros, Monge Beneditino, que frequentemente nos ajuda com suas reflexões sobre a leitura orante da bíblia.

Dez anos de tensão: Cristianismo x Cristandade

No domingo, 19 de março, completam-se dez anos do início do ministério do papa Francisco como bispo de Roma e primaz das Igrejas da comunhão católico-romana no mundo.

Por todo o mundo circulam análises e comentários sobre o que, durante este tempo, o papa Francisco deu à Igreja e ao mundo como avanços necessários e também sobre as possíveis limitações e lacunas de sua atuação.

A realidade da Igreja Católica, em Roma e no mundo, pode ser olhada a partir de ângulos e critérios diversos.

Sem dúvida, atualmente, na maioria dos ambientes católicos, respira-se uma liberdade e energia renovadora, que não havia em 2013, quando o papa Francisco assumiu.

Desde os últimos 50 anos, finalmente, um papa voltou a dialogar com a humanidade, sem ser para falar sobretudo de moral sexual, ou reafirmar os velhos dogmas, ainda formulados na linguagem greco-romana.

Além disso, nestes dez anos, nenhum teólogo ou teóloga foi condenado/a pelo Vaticano. E, pela primeira vez, desde séculos, grupos católicos, padres, bispos e até cardeais criticam abertamente o papa e não sofrem punição canônica.

O papa Francisco retoma e busca atualizar as principais intuições do Concílio Vaticano II que, antes, tinham sido rejeitadas pelo Vaticano e por amplos setores da hierarquia.

Ele valoriza as dioceses, não mais como filiais de uma multinacional e sim como comunhão de Igrejas, cada qual com rosto próprio e o direito de se inserir na vida e cultura do povo.

Para fortalecer a comunhão de todas, Francisco lança a proposta da Sinodalidade, como modo normal da Igreja ser.

Redefine a missão como serviço ao mundo e a partir dos mais empobrecidos. São conquistas importantíssimas. No entanto, só se realizam a partir de uma mudança de paradigma.

Supõem a superação do modelo de Igreja-Cristandade, no qual a Igreja é vista como hierarquia clerical, com prestígio e poder paralelo aos poderosos do mundo.

Na América Latina, durante séculos, conhecemos a Cristandade colonial. Ela legitimou e abençoou a conquista e a colonização.

Atualmente, ainda mantém elementos de pensamento e ação de tipo colonial. Recoloca dentro da Igreja elementos teológicos e espirituais da religião dos sacerdotes e escribas do templo de Jerusalém no tempo de Jesus e os mistura com roupas e estruturas da antiga religião romana, que o Cristianismo substituiu.

A Cristandade reinterpreta os evangelhos a partir da ótica da religião que Jesus denunciou como hipócrita e desumana. Prega um Deus patriarcal, todo-poderoso, amigo dos que se submetem à sua lei e cruel para os que não lhe agradam.

É um Deus que reis e rainhas podem se apresentar como representantes dele. No passado e até hoje, em nome dele, ainda há patriarcas e bispos que abençoam armas e defendem guerras.

A Cristandade substituiu o Cristo crucificado e nu pelo Cristo Rei.

Ao povo, reserva apenas devocionalismos barrocos e superficiais. Em recente viagem ao sul da Itália, ao ver como jovens seminaristas se vestiam, o papa Francisco falou: “Imagino que vocês se vistam assim para expressar a saudade de suas avós. No entanto, o povo espera de nós mais do que isso”.

Para essa Igreja-Cristandade, pastorais sociais e Campanha da Fraternidade podem ser adendos ou acréscimos às tarefas eclesiais. No entanto, não fazem parte da missão da Igreja que deve ser só religiosa e espiritualista.

Claro que isso não impede que esses mesmos padres e bispos defendam governantes de direita que, com armas na mão, gritam: “Deus acima de tudo”.

Mesmo grupos evangélicos e pentecostais sonham em ver suas Igrejas dominando o país e este ser governado, não pela Constituição e sim pela Bíblia, interpretada o mais possível, ao pé da letra, de acordo com os gostos de seus pastores.

Ao deixar claro que a meta de suas propostas é retomar o evangelho de Jesus, o papa Francisco revive no Vaticano de hoje a solidão que, em décadas como 1970, profetas como Helder Câmara e Pedro Casaldáliga no Brasil, assim como Oscar Romero, em El Salvador, viviam em suas relações com os seus irmãos no episcopado e com o papa em Roma.

Uma Igreja que se olha como Cristandade não pode aceitar pastores assim. Como poderia aceitar as propostas do papa Francisco? Sinodalidade, sim, mas contanto que se garanta a Hierarquia.

No evangelho, Jesus afirmou: “Na casa do meu Pai, há muitas moradas” (Jo 14, 1). A diversidade entre conservadores e progressistas sempre existiu e pode enriquecer a catolicidade das Igrejas.

O que não ajuda é quando o conservadorismo é pretexto e arma para impedir a profecia do evangelho. Nesse contexto, Jesus deixou claro: “Não adianta pôr remendo novo em roupa velha, ou vinho novo em odres velhos. Para vinho novo, os barris têm de ser novos” (Mc 2, 22).

Medoro, irmão menor-padre pecador

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