Alta hospitalar de pessoas com lesões neurológicas: uma questão de acessibilidade e direito à vida em plenitude

A partir da implantação da Rede de Cuidados da Pessoa com Deficiência, mudanças nas formas de interagir das equipes atuantes na rede hospitalar se fazem necessárias, em particular no concernente aos procedimentos de preparo e respectivas orientações das pessoas com sequelas de lesões neurológicas incapacitantes e seus cuidadores domiciliares, quanto à acessibilidade em casa para que se tornem viáveis os cuidados de longo prazo e desempenho seguro nas atividades cotidianas.

Da mesma forma, prestando esclarecimentos sobre a conseguinte integração com a rede de apoio social, serviços e pontos de atenção disponíveis no sistema de saúde, com vistas a agilização dos encaminhamentos das pessoas com perfil de potenciais usuários dos programas de reabilitação disponíveis na comunidade.

De acordo com o Relatório Mundial sobre Violência e Saúde, da Organização Mundial de Saúde (OMS), qualquer país em tempos de paz apresenta cerca de 10% de sua população com graus variados de incapacidade.

No Brasil, dados do censo demográfico de 2010 revelaram que as pessoas com algum tipo de deficiência ou incapacidade atingiram marca de 45,5 milhões, ou seja, 23,9% dos 190,7 milhões de brasileiros; tomando o total da população na conjuntura de 2022, em torno de 216 184 715, pode-se imaginar o que representa em termos de demanda de serviços especializados de reabilitação.

Ademais, o envelhecimento da população associado aos crescentes indicadores de violência urbana e doméstica, contribuem para que o aumento da demanda de cuidados de suas vítimas com sequelas incapacitantes sobrecarregue o planejado, comprometendo a qualidade dos serviços prestados à população.

Egressos das instituições hospitalares, onde receberam atendimentos com intervenções terapêuticas desde a Urgência e Emergência Hospitalar, sendo ou não preparadas pelas suas equipes para se cuidar em casa, todos recorrerão aos serviços na Atenção Básica de Saúde e suas equipes da Estratégia de Saúde da Família.

Entre os quais, usuários de muletas, ostomizados, mastectomizadas, paraplégicos e tetraplégicos, hemiplégicos, amputados, entre outros.

Nas comunidades, muito frequentes têm sido as queixas dos clientes, famílias e cuidadores, quanto aos procedimentos adotados pelas equipes atuantes na rede hospitalar quanto ao preparo da alta de pessoas com lesões neurológicas incapacitantes, em particular quanto à sintomática falta de conhecimento sobre o assunto e pelas dificuldades desses profissionais para orientar e/ou encaminhá-los para programas de reabilitação referenciados.

Sabe-se que a dualidade de liderança na gestão hospitalar é composta de especialistas, tanto por médicos como enfermeiros, que são tomadores de decisões que envolvem a dimensão administrativa, inclusive, no que diz respeito ao preparo dos clientes para a alta hospitalar.

Essas lideranças tendem a se orientar pela lógica imediatista de sua formação profissional e são detentoras de poder tanto em função de seu conhecimento específico, como pelo ambiente de urgência e risco, e, frequentemente, não tomam conhecimento do disponível em termos de serviços complementares de saúde extramuros hospitalares, resultando em altas sem objetiva orientação dos clientes e seus familiares.

Tendo em vista que o preparo da alta dos clientes das instituições hospitalares envolve direta ou indiretamente outros profissionais da equipe, cumpre destacar o princípio da integralidade, pois este remete inexoravelmente à compreensão de que a integração de serviços por meio de redes assistenciais, é fundamental.

O preparo da alta hospitalar de pessoas com lesão neurológica incapacitante, quando realizado de forma adequada, envolvendo o cliente, seus familiares e pessoas significativas, é decisivo para facilitar acesso aos programas de reabilitação física e à intervenção precoce.

É importante considerar que no âmbito da reabilitação física, o processo de tomada de decisão envolve vários passos, a partir da obtenção de dados iniciais, determinação da natureza e gravidade dos problemas, predição de risco, estabelecimento dos objetivos da intervenção, desenvolvimento do programa e seleção de ações específicas para cada reabilitando.

Devendo ser implementadas estratégias terapêuticas de reabilitação, mesmo as mais elementares, antes dos clientes com incapacidades funcionais receberem alta hospitalar.

Por fim, cabe destacar que compete fundamentalmente aos docentes, pesquisadores e estudantes atuantes nos programas de Pós-Graduação na área de saúde, a tomada de iniciativa de fomento ao desenvolvimento de pesquisas focadas na elaboração de protocolos, rotinas de serviços, materiais educativos nos diversos formatos, inclusive, servindo-se das tecnologias de informação, como os aplicativos móveis, que abordem modelos de projetos arquitetônicos de acessibilidade domiciliar para atender as necessidades de milhares de pessoas e seus cuidadores principais.

Uma forma de contribuir para a promoção da saúde, qualidade de vida e inclusão social de cidadãos e cidadãs, hoje, socialmente excluídos do direito de vida plena.

Por Wiliam Machado


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