Juiz apontou falta de fato determinado, violação ao contraditório e possível conflito de interesses no processo conduzido pela Câmara
A Justiça suspendeu os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada pela Câmara de Vereadores de Paraíba do Sul para investigar a concessionária Águas da Condessa, responsável pelos serviços de água e esgoto no município. A decisão foi assinada na quarta-feira (29) pelo juiz Luiz Fernando Ferreira de Souza Filho, da 2ª Vara de Paraíba do Sul, em ação movida pela empresa.
Na decisão, o magistrado deferiu tutela de urgência para suspender “todos os atos e efeitos” da CPI, incluindo a divulgação de seu relatório final, apresentado dias antes pelo vereador Junior Cruz, presidente da comissão. A medida, segundo o juiz, deve-se à falta de fato determinado na instauração da comissão, ao descumprimento de garantias legais e à possível atuação de um dos membros com conflito de interesses.
Decisão aponta falhas na criação da CPI
No documento, o juiz afirma que a portaria de criação da CPI se limitou a citar termos genéricos como “eventuais descumprimentos contratuais”, “prejuízos à população” e “possível omissão administrativa”, sem especificar objetivamente quais seriam os atos irregulares atribuídos à concessionária.
Para ele, a CPI foi aberta para apurar “fatos indeterminados, genéricos e abstratos”, em desacordo com o que determina a Constituição Federal, que exige “fato determinado e prazo certo” para o funcionamento de uma comissão de inquérito.
“Quais seriam os descumprimentos contratuais? Quais os prejuízos que a população está sofrendo? Qual a omissão administrativa operada pela concessionária?”, questionou o magistrado, ao destacar que a portaria “é coberta de imprecisão, incerteza e obscuridade”.
O juiz citou precedentes do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) em casos semelhantes, como a suspensão de CPIs nas Câmaras de Arraial do Cabo e Rio das Ostras, por ausência de fato determinado.
Conflito de interesses
A decisão também aponta violação às garantias do contraditório e da ampla defesa. Segundo o juiz, a comissão teria ouvido consumidores e incorporado seus depoimentos ao relatório final “sem que fosse dada à empresa a oportunidade de uma defesa ampla e efetiva”.
Outro ponto levantado foi a atuação do presidente da CPI, vereador Junior Cruz, que, segundo o documento, figura como parte em ações judiciais contra a concessionária, inclusive após a abertura dos trabalhos da comissão. Para o magistrado, essa situação “demonstra um claro conflito de interesses ou ainda desvio de finalidade a ser apurado”.
“Ficam demonstradas a violação às garantias do contraditório, ampla defesa e legalidade”, escreveu o juiz. “A CPI questionada não atende aos requisitos constitucionais exigidos e, por isso, deve ser suspensa.”
Com a decisão, os atos da CPI, incluindo o relatório que recomendava à Prefeitura a caducidade do contrato de concessão, ficaram sem efeito até o julgamento final da ação.
O que dizia o relatório da CPI
A comissão havia sido instalada em fevereiro deste ano para apurar supostas irregularidades na atuação da Águas da Condessa, concessionária que assumiu o serviço de saneamento de Paraíba do Sul há cinco anos. O relatório final, apresentado pelo vereador Junior Cruz, apontava falhas na prestação dos serviços, descumprimento de metas contratuais e cobranças irregulares de tarifas.
Entre os principais pontos, o documento citava o despejo de esgoto sem tratamento em oito pontos do Rio Paraíba do Sul, já alvo de investigação do Ministério Público, além da cobrança de taxa de esgoto em bairros sem rede coletora.
O texto também criticava a cobrança de valores pela instalação de hidrômetros, considerada ilegal com base na Lei Estadual 4.901/2006 e na Súmula 315 do Tribunal de Justiça do Rio. Outro item questionado foi a exigência de confissão de dívida como condição para novas ligações de água, o que, segundo a CPI, fere a Lei Municipal 4.460/2025.
O relatório recomendava à Prefeitura a caducidade do contrato e a suspensão imediata da cobrança pela instalação de hidrômetros, além da redução da taxa de religação de R$ 347 para R$ 50. O documento foi encaminhado à Prefeitura e ao Ministério Público.
Em nota, a Águas da Condessa afirmou que “sempre atuou com total transparência e dentro das normas legais e contratuais que regem a concessão dos serviços de água e esgoto em Paraíba do Sul."
*Confira a nota completa da concessionária ao final da matéria
O que diz o presidente da CPI
Após a decisão, o vereador Junior Cruz afirmou, em nota, que cumprirá a determinação judicial, mas defendeu a legitimidade da investigação conduzida pela Câmara. Ele declarou que continuará atuando “em defesa da população” e criticou o que chamou de “serviço precário e tarifas abusivas” praticados pela concessionária.
Segundo o parlamentar, o processo “serviu como um divisor de águas” e expôs “quem está ao lado do povo e quem defende a empresa”. Ele ressaltou que seguirá buscando soluções para os problemas enfrentados pelos moradores
“Não nasci vereador, não sou preso a cargo político, não tenho cargos indicados em empresas públicas e/ou qualquer outra instituição, não tenho acordos obscuros e não tenho dívidas com ninguém, ao contrário, tenho liberdade de opinião e acima de tudo sou ser humano”, escreveu em nota enviada ao Entre-Rios Jornal.
Próximos passos
Com a liminar concedida, a CPI permanece suspensa até o julgamento do mérito da ação. O juiz Luiz Fernando Ferreira de Souza Filho determinou ainda que, com o contraditório, será melhor apreciada a “imputação de abuso de autoridade e exercício irregular da advocacia pelo relator enquanto vereador”.
A decisão tramita na 2ª Vara de Paraíba do Sul. A Câmara Municipal ainda não se manifestou oficialmente sobre a decisão judicial.
Nota da concessionária Águas da Condessa
Águas da Condessa informa que a 2ª Vara da Comarca de Paraíba do Sul deferiu pedido de tutela de urgência em favor da concessionária, suspendendo todos os atos e efeitos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada pela Câmara Municipal. A decisão também determina a suspensão da divulgação do relatório final produzido pela Comissão. Na decisão, o juiz reconhece que a CPI foi criada sem respeito aos requisitos legais previstos na Constituição Federal.
Cabe destacar que, em sua decisão, o juiz declara que a redação do ato é coberta de imprecisão, incerteza e obscuridade e que a Câmara dos Vereadores de Paraíba do Sul instalou Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar fatos indeterminados, genéricos, abstratos, à revelia do que exige a Constituição. Também foi apontado que não foram respeitadas as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, uma vez que a concessionária não teve oportunidade adequada de se manifestar sobre os depoimentos incluídos no relatório final da CPI. Outro ponto levantado pelo juiz foi a existência de possível conflito de interesses, já que o presidente da CPI, o vereador Júnior Cruz, atuou como advogado em ações judiciais contra a Águas da Condessa, situação que reforçaria indícios de desvio de finalidade e conflito de interesses.
Com base nessas constatações, o magistrado deferiu a liminar para suspender de imediato todos os atos e efeitos da CPI, incluindo a divulgação do relatório final, citando ainda o risco de danos à concessionária caso a medida fosse adotada apenas ao fim do processo. A decisão segue o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), que já reconheceu, em casos semelhantes, a nulidade de CPIs instauradas sem respeitar os requisitos legais.
A concessionária reafirma que sempre atuou com total transparência e dentro das normas legais e contratuais que regem a concessão dos serviços de água e esgoto em Paraíba do Sul.



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