Sapucaia e a escravidão no Vale do Paraíba


*Lucas Ventura da Silva

Em 7 de dezembro de 2024, comemoramos o sesquicentenário do decreto nº 2.068 de 1874 que elevou o arraial de Sapucaia à categoria de Vila, que se configurou cidade no ano seguinte, em 1875. Atualmente, minha pesquisa está voltada para a história da abolição e dos abolicionismos em Petrópolis, no entanto, penso que tenho certo compromisso com Sapucaia, uma vez que cresci nessa terra e aqui foi forjada minha subjetividade e firmados os meus primeiros laços de afeto.

Durante os meus estudos sobre Petrópolis, todo o tempo Sapucaia surgia. As fontes revelavam uma cidade pouco, ou nada, conhecida pelos sujeitos da contemporaneidade, um lugar que afirmava e reiterava a violência da escravidão. Sobre a história da cidade, existe uma dissertação de mestrado pioneira da historiadora Luiza Coutinho Ottero, Vila de Sapucaia: administração camarária, elites e poderes locais (1875- 1888), de 2017. Esse é o único trabalho de fôlego, no âmbito da pós-graduação, que conheço, sobre a história do lugar.

Sapucaia se “desenvolveu”, tornou-se vila e, posteriormente, cidade, principalmente, pela força da escravidão. Em função disso, estamos falando de um território escravista, inserido na lógica do Vale do Paraíba, perímetro banhado pela bacia do Paraíba do Sul, uma das regiões mais proeminentes na escravização de gente e no cultivo de café durante o último século da escravidão no Brasil.

Ottero traz em seu trabalho importantes dados sobre o censo de 1872, o grande e mais importante do Império. Portanto, vamos aos números: em 1872, as freguesias que, juntas, posteriormente, tornaram-se Sapucaia contavam com um total de 14.781 habitantes, sendo 8.043 livres e 6.738 escravizados; já em 1877, segundo o Almanaque Laemmert, a população era composta por 8.038 livres e 5.057 escravizados.

Em uma pesquisa que desenvolvi e foi publicada, em 2020, no Anuário do Museu Imperial, reparei que em 1882, enquanto Petrópolis, uma cidade com a predominância da escravidão urbana, tinha 626 escravizados, Sapucaia, por sua vez, contava com 7.337.

Certamente, esses números nos soam assustadores, no entanto, como já apontado, estamos falando de um território inserido na lógica do Vale do Paraíba, apresentando-se como um importante produtor de café durante o século XIX.

No entanto, por que precisamos saber sobre a Sapucaia escravista? A partir do momento que entendemos o que foi o lugar no século XIX, suas relações de poder, sociabilidades e massiva presença de africanos e afrodescendentes que aqui foram escravizados; conseguimos minimamente compreender a dinâmica da cidade hoje, como a movimentação das elites, as periferias, a escolarização das pessoas, as relações étnico-raciais, entre tantos outros marcadores.

Sapucaia na contemporaneidade é herdeira do sistema escravista. É possível identificar várias permanências entre a cidade do Oitocentos e a de hoje: grande parte de seu território ainda é ruralizado, o que move a economia continua sendo a agricultura e uma desigualdade socioeconômica que ainda persiste.

Há muito para se discutir sobre a cidade, sua história e as pessoas que por aqui passaram e estão. Que nesses 150 anos de “emancipação” política, seja um momento propício para (re)pensarmos a pólis a partir de sua história e discutirmos de que maneira podemos solucionar os reais problemas da cidade. É preciso, portanto, (re)fundar Sapucaia. Por uma nova história, ou melhor, por uma história, de fato, do lugar.

*Historiador
Associado Titular do Instituto Histórico de Petrópolis (IHP)
Integrante do Museu da Memória Negra de Petrópolis



Comentar

Postagem Anterior Próxima Postagem