Cuidar de quem cuida III

Compartilhando enfim, nesta terceira quarta-feira, a última parte da rica reflexão do Prof. Dr. Fernando Altemeyer Junior, assistente doutor da PUC-SP (fajr@pucsp.br), sobre o cuidado da própria corporeidade e sobre o cultivo do cuidado.



Cuidar do próprio corpo

Escreve Leonardo Boff: “Quem é são pode ficar doente. A doença significa um dano à totalidade da existência. Não é o joelho que dói. Sou eu, em minha totalidade existencial, que sofro. Portanto, não é uma parte que está doente, mas é a vida que adoece em suas várias dimensões: em relação a si mesmo (experimenta os limites da vida mortal), em relação com a sociedade (se isola, deixa de trabalhar e tem que se tratar num centro de saúde), em relação com o sentido global da vida (crise na confiança fundamental da vida que se pergunta por que exatamente eu fiquei doente!” (BOFF, Leonardo. Saber cuidar. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 143).

Saber que a saúde exige um cuidado com nosso corpo e com o conjunto das relações pessoais e familiares pode reequilibrar aquilo que estava em desarmonia. Permitir que outras pessoas cuidem de nós e, ao mesmo tempo, cuidar de cada pessoa com quem vivemos e trabalhamos é o que nos faz humanos. O cuidado é a força para ser pessoa livre, autônoma e criativa. Cuidar é da essência humana. Cuidar é mais que ato: é atitude. Cuidar não é um momento. É uma atitude de desvelo e de envolvimento. Atitude gera dezenas de atos. Atos nem sempre geram vida. O cuidado é um modo de ser e estar no mundo. É essencial e irredutível. Estamos vivos, pois somos cuidados por muita gente e, claro, por Deus, que nos ama entranhadamente. Sem cuidar, perdemos nossa raiz. Sem o cuidado, deixamos de ser humanos e degeneramos. Quem cuida de si e de cuidadores/as e de fragilizados/as fortalece laços, enobrece seu coração, faz brotar vida. Se, em algum momento, você estiver perto de estourar ou quebrar, pare e se coloque diante de Deus. Como escreveu o grande místico São João da Cruz: “Confiem em Deus, pois Ele não abandona aos que o buscam com simples e reto coração. Não lhes deixará de dar o necessário para o caminho até conduzi-los à clara e pura luz do amor. Esta lhes será dada por meio da outra noite escura, a do espírito – se merecerem que Deus nela os introduza” (SÃO JOÃO DA CRUZ. Noite escura. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 59)



O cultivo do cuidado

Reconhecendo e respeitando as necessidades pessoais, monitorando a saúde psíquica, corporal e espiritual, encontrando momentos de oração e meditação, fazendo alguns passeios para desanuviar tempestades e dores, expressar emoções, compartilhar com amigas e amigos, buscar tomar conta de você para poder cuidar de outra pessoa. Quem cuida realiza gestos de pura compaixão. Cuidar de quem amamos, sem descuidar de nosso cuidado, com leveza e serenidade. Precisamos evitar os dois extremos: o distúrbio da despersonalização que impede de amar aos outros numa ponta e, na outra ponta, a fadiga por compaixão, tal qual um complexo do deus grego Atlas. Essa atitude de sustentar o planeta, como quem carrega o mundo em suas costas, deriva em gente oprimida pelos males do mundo que acaba inevitavelmente esmagada. Nem robô apático, nem herói sobre-humano que se quebre ou se feche na apatia depois de anos de dores que machucam demais. “Não ter tido dor é não ter sido humano” diz o provérbio judaico. Dores demasiadas também matam. Cultivemos o cuidado, na medida humana. Cuidando dos que cuidam. Deixando que cuidem de nós, sem resmungos. E, enfrentando os piores vírus, como diagnosticou o papa Francisco: “Agora, quando pensamos em uma lenta e árdua recuperação da pandemia, esse perigo é sugerido: esqueça o que foi deixado para trás. O risco é que um vírus nos atinja ainda pior, o do egoísmo indiferente” (Disponível em: <https://www.metropoles.com/.../papa-diz-que-indiferenca-e...>. Último acesso em: 4 dez. 2021).


Medoro, irmão menor-padre pecador

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