A fita de organdi

Moço, quando eu era menina eu tinha um medo danado de soldado fardado. Empacava atrás de minha mãe quando coincidia de vir vindo alguém em nossa direção. E o pior é que quando a pessoa percebia que eu estava com medo, parava e passava a mão pela minha cabeça e segurava meu queixo... Eu tremia que nem vara verde, quase desmaiava. Embolava tanto a saia de minha mãe que ela quase não podia andar...

Lembro-me também, moço, de quando vi um trem pela primeira vez – tenho até vergonha de contar. O senhor sabe que eu nasci na roça: ali entre Alberto Torres e Sebollas. Casa de sapê e chão batido. Eu devia ter – o quê? – uns quatro ou cinco anos de idade. Uma tardinha meu padrinho me pegou pela mão e me chamou para ir até à estação de trem – todas as crianças do lugar já conheciam o trem, menos eu.

Minha mãe me arrumou, me enfeitou toda. Amarrou um laço de fita no meu cabelo liso e rente às orelhas, calçou-me meias brancas e alparcatas novas, dessas que fazem barulho até acabar, ou até não servir mais.

De mãos dadas eu e meu padrinho caminhamos bem uns quarenta minutos. Passamos por duas porteiras, desviamo-nos de alguns bois no caminho, de uma vaca brava... Perto do meu padrinho eu não tinha medo porque sabia que, qualquer coisa, ele me pegava no colo. No seu colo eu me sentia a salvo de qualquer perigo.

Chegamos à estação, moço. Uns homens de bigodes e de colete conversavam calmamente. Viraram-se para nós, olhando-nos devagar, mas continuaram na conversa. Acho que eram boiadeiros.

Ainda segurando a mão do meu padrinho perguntei-lhe pelo trem.

-Vem dali. É só esperar um pouquinho – respondeu-me ele ao mesmo tempo que rodava no dedo a correntinha de ouro do relógio.

Uma mulher nem velha nem nova nos cumprimenta. Meu padrinho sorri, ela não. Começo a ouvir um barulho diferente e me viro na direção que meu padrinho me apontara. Deve ser o barulho do trem, pensei comigo.

-Evém ele! – exclamou meu padrinho.

E aí, moço, não lhe conto nada... Uma enorme cara preta e vermelha, de ferro, soltando fumaça por todos os lados e apitando, apitando... e se aproximando de mim, mais e mais! A respiração ameaçava falhar, o coração parecia não caber dentro do peito...

Num átimo desprendi-me da mão que me prendia e desabei barranco abaixo sem nem olhar para trás. Coisa horrível o trem!

Tá vendo, moço: eu tive medo da “Maria Fumaça!” E sabe o que mais? Naquela minha descida louca, na correria barranco abaixo, perdi minha fita do cabelo – ela ficou presa nuns arranha-gatos. E eu só tinha aquela fita, moço, só aquela, e era de organdi. Menina pequena devia ter era mais de uma fita, eu acho...


Por Izabel Daud



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