Jubileu Diocesano com Maria, a mulher agradecida II

 "A minha alma engrandece o Senhor,

e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador” (Lc 1,46-47).


Damos continuidade à reflexão da semana passada, sobre a Assunção de Maria – Nossa Senhora da Glória – padroeira de nossa Catedral Diocesana de Valença. Refletimos que celebrar a Assunção é entrar no fluxo da gratidão que Maria canta no seu “magnificat”. É modo de ser e viver inspirado na vida de Maria; é preciso nos situar de “maneira mariana” diante de nossa história.

“O Todo-Poderoso fez grandes coisas em meu favor”, é uma exclamação que o Evangelista Lucas recolhe dos lábios de Maria para fazê-la nossa e repeti-la com frequência. Quando algo ou alguém nos emociona, não podemos evitar expressar esse sentimento. O regozijo não é completo se não o compartilhamos. A experiência prazerosa de um Deus que é Misericórdia e Santo fez brotar os mais belos salmos e orações que nos foram legados, cheios de benção e assombro agradecido. A gratidão perpassa o Magnificat e é o sentimento mais nobre que brota das profundezas do coração do ser humano, ao se sentir cumulado de tantos dons.

Todos temos experiência que a nossa história carrega lembranças de fatos e de vivências negativas: crises, fracassos, rejeições, erros, pecados... Os desencontros, quebras e rupturas... costumam deixar feridas. Tudo isso pesa na memória e continua influenciando negativamente no presente. Com isso, ela se torna “memória mórbida, doentia”: depósito de rancores, ressentimentos, hostilidades...; ao se fixar no passado, a “memória mórbida” alimenta remorsos, sentimentos de culpa, desânimo, angústia..., embotando a vida, queimando energias, paralisando a pessoa e não abrindo futuro de sentido. Pessoa doente na memória é doente no seu coração, na sua afetividade, nos seus sentimentos...

Se a memória não é “evangelizada”, ela continua remoendo aquilo que aconteceu, num desgaste muito grande de energia. Não há mudança e conversão se não houver mudança e conversão da memória. Somente através da “memória redentora”, a pessoa é capaz de se colocar diante do passado, de modo livre e aberto, dando-lhe um novo significado. A memória sadia não muda o passado, mas o “re-corda” (coloca de novo o coração) de modo novo e inspirador. A memória resgata referências, cura feridas, reconcilia-se com a vida e consigo mesma, com as próprias riquezas e fraquezas, com o próprio passado; ela tem sua função de lugar santo do louvor e da gratidão, pois ajuda a tomar consciência dos benefícios recebidos e possibilita ter acesso às recordações não neutras, mas aquelas que tem um significado para o presente.

A “memória redentora” é capaz de tirar proveito de todas as vivências pessoais (nada é descartado, tudo é integrado); abre possibilidade para rever a própria história e lê-la como História de Salvação. Através da memória pacificada, nossa vida é iluminada, provocada, sacudida..., para que ela saia do “fatal ponto morto” e entre no movimento expansivo da Graça.

Ativar a atitude de assombro e gratidão diante do muito que recebemos, em lugar de viver centrados naquilo que nos falta, tem uma consequência enraizada em cada um de nós: saber-nos e sentir-nos abençoados nos motiva a compartilhar o que recebemos; quem é grato(a) deseja corresponder e o serviço gratuito é a melhor resposta ao amor de Deus, presente em mil formas e intensidades na nossa vida. Abrir-nos ao assombro é uma genuína manifestação da humildade que esvazia toda pretensão de nosso ego inflado e prepotente. A humildade é também o melhor caminho para ativar a admiração frente às nossas próprias capacidades ainda adormecidas. Carecemos da “faísca” própria da experiência assombrosa de sentir-nos amados(as) por um Deus providente e cuidador.

Entremos no movimento vital da Assunção! Sejamos simplesmente humanos! Vivamos com sabedoria e intensidade, numa atitude de contínuo agradecimento! É isso que Deus deseja a todos os seus filhos e filhas. E como Maria, exprimir a gratidão cantando. E por que canta Maria? A resposta mais bela e mais óbvia está, talvez, num verso de S. João da Cruz: “Todos os apaixonados cantam!”. Maria canta porque está apaixonada. É muito importante notar que a oração mariana por excelência não coloca em cena ideias, mas fatos. O Senhor realiza maravilhas: nela, nos outros, em cada um de nós. Faça sempre de sua oração um canto apaixonado: louve, agradeça, silencie...


Medoro, irmão menor-padre pecador



Comentar

Postagem Anterior Próxima Postagem