Ao meu pai literário

Numa de minhas estantes, na sala, guardo alguns álbuns com recortes de artigos, poesias, crônicas e contos publicados aqui nos jornais de Três Rios, de Petrópolis e Rio de Janeiro. No primeiro álbum está o recorte da primeira publicação: 10 de agosto de 1961.

Cursei o antigo Ginasial e o Curso Normal no Colégio Entre-Rios. Nossa turma de professorandas tinha mais de quarenta alunas. Em 1961 estávamos no terceiro e último ano do curso. Dentre os bons professores que tínhamos, o Professor Joaquim da Costa Barros nos ensinava Literatura e Português. As matérias que eu mais gostava. Matemática era e é até hoje, um verdadeiro pesadelo. Não sei como conseguia “passar”, no final do ano!

No início de agosto desse último ano do curso, o professor pediu-nos que escrevêssemos uma redação falando sobre o nosso pai. Lembro-me que argumentei que o meu pai já havia falecido. E que, à época, eu tinha só dois anos e meio. Como escrever sobre ele?

-Mas você, se quiser, pode imagniar e escrever como ele poderia ter sido, como pai...

Falando assim, delicadamente, sorriu e continuou ministrando sua aula. E foi o que eu fiz. Na aula seguinte, já corrigidas, ele devolveu as redações. Reclamei com ele: faltou a minha.

-Não lhe devolvi?! Vou ver, lá em casa, onde ficou. Entrego-lhe na próxima aula.

À época, sob a direção do inesquecível Alberto Gomes Fahndrich, pioneiro e mestre do jornalismo na região, circulavam na cidade o Correio Trirriense e o Entre-Rios Jornal. O Professor Joaquim já escrevia e publicava, semanalmente, no alto da primeira página, uma crônica. E eu comprava sempre um exemplar, para ler o que ele escrevera. Naquele dia, véspera do Dia dos Pais, deparei-me com a minha redação publicada no espaço que era dele! Com o jornal na mão, corri à Gráfica. Betinho Fahndrich procurou me acalmar. Puxou duas cadeiras, sentamo-nos, e ele me disse:

- O professor Joaquim, com tantos cursos de especialização, conhecimentos e saberes, foi convidado a fazer parte do corpo docente de uma renomada Faculdade em Juiz de Fora. E pediu-me para deixar você ocupar o espaço que era dele no jornal... Fique tranquila, estarei junto de você, orientando, e toda essa turma da Gráfica.

Tudo isto aconteceu em agosto de 1961. Hoje, agosto de 2023. Sessenta e dois anos se passaram. Com o querido amigo, professor, incentivador tudo começou; por ele e com ele. Encontrávamo-nos sempre, animando-me a ler mais, a escrever sempre. Ajudando-me, fazendo-me uma pessoa, um ser humano mais sensível, mas atenta. Ele viveu e ainda vive, em seus cartões e correpondências. Ele continua em minhas lembranças, em meu coração. Porque fez e continua fazendo parte do meu viver. Lembrar-me dele, nesta data, procurar homenageá-lo numa humilde e modesta crônica, como esta – é muito pouco. É quase nada. Mas me faz bem, Professor Joaquim, lembrar-me de você escrevendo sobre você! Um dia, numa outra dimensão, agente vai se encontrar. Até esse dia, querido professor e mestre, meu pai literário!


Por Izabel Daud
Imagem: Arquivo pessoal da colunista


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