Como enfrentamos os desafios nas fases de reabilitação da deficiência adquirida

Uma simples questão de interpretação distorcida das características físicas, sensoriais, mentais e psicossociais que distinguem as pessoas com deficiência, reconhecida nos conceitos e terminologias da linguagem acadêmica, em virtude disso, amplamente replicada pelos demais meios de informação e comunicação da nossa sociedade, faz toda diferença em como as demais pessoas nos veem.

Seus impactos negativos oficializam um estigma que nos impõe barreiras e discriminações de toda ordem e restringem sobremodo as contestações do oficialmente constituído.

Toda essa distorção remete ao desconhecimento generalizado sobre as especificidades de cada tipo de respostas à lesão primária ou complicações secundárias, que resultam em limitações físicas, auditivas, visuais, intelectuais e psicossociais.

Sobressaltam inevitáveis graus de dependências que desencadeiam constrangedoras necessidades da ajuda dos outros, fazendo-nos parecer incapazes.

São situações perfeitamente previsíveis, minimizáveis, quando disponíveis recursos próprios ou advindos de políticas públicas de apoio social para aquisição de tecnologias assistivas, apresentadas no formato de serviços ou equipamentos e instrumentos desenvolvidos na área de inovação tecnológica, voltados para ajuda técnica dessas pessoas.

Outro fator agravante que contribui para restringir as possibilidades de que as pessoas com deficiência alcancem plena liberdade e direito de ir e vir, alicerces do livre exercício da cidadania, está ancorada nos ambientes destinados ao uso coletivo que deveriam servir a toda população, mas excludentes em sociedades cujos cidadãos e gestores públicos sofrem da incapacidade de perceber que o todo é bem maior que seus pequenos universos e interesses pessoais.

Em consequência disso, ao invés do meio ambiente servir de plataforma inclusiva de todos, apenas é apropriado para uso e benefício da maioria de cidadãos sem deficiência, impondo aos que não se enquadrem em seus questionáveis “padrões de normalidade” a sentença discriminatória e ilícita exclusão social.

Não é nada fácil viver com algum tipo de deficiência em países cuja sociedade se comporta com indiferença, desigualdade, preconceito, intolerância e fora de quaisquer parâmetros básicos de civilidade.

Só para elucidar dúvidas de interpretação no que se refere as nossas características básicas de comportamento, percepção e reflexão enfrentadas após uma deficiência adquirida, basta que se permita reservar, nada mais que duas horas, e realize o exercício de uma instantânea perda da capacidade de mover com estímulo cerebral autônomo dos braços, mãos, pernas e pés.

Pode ser através da fixação de objeto com peso superior à sua capacidade física de reação nos segmentos corporais citados.

Assim, terão ideia aproximada dos reflexos desesperadores vivenciados pelas pessoas com lesão neurológica adquirida, quando são surpreendidas com a perda total dos movimentos e notificadas pelo médico responsável pelos atendimentos nas unidades hospitalares que passarão o resto da vida dependentes do uso de uma cadeira de rodas.

Na mesma linha de raciocínio, testem de alguma forma o tamponamento absoluto dos ouvidos e olhos para se ter ideia aproximada do que se passa na cabeça das pessoas que ficaram cegas ou surdas de uma hora para outra.

Na verdade, todos procuramos explicações para o ocorrido e negamos a princípio toda e qualquer explicação que não nos apronte uma linha de fuga da nova realidade a ser enfrentada daí para a frente, um verdadeiro beco sem saída imediata, que muito nos inquieta.

Dormimos e acordamos dias e noites pensando em como serão as coisas a curto médio e longo prazos, tendo de superar cada uma de suas ainda desconhecidas fases, representadas pela negação, repercussão, ajustamento e reconstrução, inerentes aos processos de reabilitação e adaptação às novas condições de vida.

Na fase de negação, custamos muito aceitar o ocorrido e resistimos a tudo que nos possa confirmar o que demonstram nossos sentidos corporais, conhecimentos científicos, experiências com o senso comum e perspectivas existenciais, inclusive, ateus descortinando a própria dimensão espiritual.

Após percorrer todos os labirintos mentais, mesmo ainda resistentes e sem alternativas imediatas de socorro, começamos a avaliar as repercussões da deficiência adquirida, momento em que os mais fracos sucumbem ou estacionam sem aderir ao processo de reabilitação.

Muitos não resistem e se entregam, enquanto os mais maduros no sentido religioso e espiritual decidem avançar no ajustamento e recorrem às alternativas que se apresentam para preparo do processo de reabilitação.

O que nos habilita a descoberta gradativa das potencialidades que dispomos para adaptação para o desempenho autônomo das atividades cotidianas com plena inclusão social, desde que o ambiente propicie condições favoráveis.

Tanto quanto nos são expostas nossas fragilidades e vulnerabilidades pessoais que eventualmente possam necessitar de reavaliação das equipes reabilitadoras, tendo em vista que os programas de reabilitação não devem dar alta definitiva para seus reabilitandos, não mais que, instituir uma lista de contatos para se recorrer nas eventuais necessidades de adaptação surgidas no longo prazo.

O passo seguinte é bem mais complexo e se caracteriza pela fase de reconstrução, na qual você vai se valer do raciocínio crítico-reflexivo para utilizar de forma adequada todo aprendizado que lhe fora passado em ambientes totalmente acessíveis dos ginásios, laboratórios e salas de atendimentos dos Centros Especializados de Reabilitação, localizados nas maiores capitais dos estados brasileiros e regiões de maior concentração de renda.

É importante destacar que uma parcela mínima da população brasileira com deficiência adquirida têm acesso aos programas de reabilitação de boa qualidade, outros recorrem ao disponível, predominantemente, serviços com equipamentos precários e equipes de profissionais despreparadas, pouco envolvidas com o processo de trabalho, não recebendo o tratamento necessário.

Maioria recebe alta hospitalar direto para casa, desassistidas, trancafiadas em seus domicílios inacessíveis, desinformadas sobre como proceder para obter apoio comunitário ou serviço de saúde apropriado.

Por Professor Dr Wiliam Machado

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