A Copa da Supremacia Negra

Enner Valencia, marcou os gols do Equador na partida de abertura da Copa do Mundo do Catar contra os anfitriões

Não se trata de um trauma adolescente. São injustiças que marcam sua vida e se potencializam quando você estuda o Direito. Nos anos 70, jogadores e sócios tricolores entravam pela portaria principal, na Rua Álvaro Chaves.

Atletas seguiam reto em direção ao campo; sócios e beneméritos viravam à direita. Iam para as quadras e o Parque Aquático.

Até que uma socialite não quis mais se misturar com a gente. Como nenhum negro virava à direita, ela entendeu que também não poderiam entrar no clube junto com os brancos. Com um abaixo assinado, conseguiu, junto à diretoria, que um portão dos fundos fosse aberto na Rua Pinheiro Machado.

Por ele, com relógio de ponto, passaram a entrar funcionários, entregadores e jogadores.

Não me conformava com tal decisão, pois lia o Contrato Social, de Rousseau, o Espírito das Leis, de Montesquieu, na Universidade Gama Filho, e sabia, dentro de campo, quem tornava o Fluminense poderoso.

Era o Denílson, o Rei Zulú, Ivair, o Príncipe, Marco Antonio, o tricampeão mundial, Toninho, Cafuringa... não os irmãos Bial, no Basquete, a esforçada Juliana Veloso, nos Saltos Ornamentais ou as meninas dos nados sincronizados.

Desde domingo, no Catar e no Dia da Consciência Negra, o mundo do futebol finalmente se rendeu à Supremacia Negra. O dois gols de abertura da Copa foram marcados por um negro. E dos seis gols da Inglaterra, cinco foram de jogadores negros, e um foi doado, já sem goleiro, para um branco cumprir o regime de cotas.

Na partida seguinte, gol da Holanda. Sabe qual a cor de sua cútis?

Foi na Suécia, em 1958, que eles apresentaram sua arte. Uma copa de jogadores brancos, de futebol previsível, até que o Brasil levou a campo uma força e uma arte desconhecida e miscigenada. Didi, Vavá, Garrincha, Djalma Santos realizaram algo tão diferente que o Rei Gustavo desceu das tribunas. E veio conhecer de perto um novo monarca.

Ele, Pelé, tinha apenas 17 anos.

Os europeus, através das suas grandes navegações, conquistaram parte do mundo. Antes, porém, passaram no continente africano em busca da força braçal para erguer suas colônias. Pouco sabiam que estavam moldando os maiores jogadores de futebol.

Foi quando a força física precisou escapar da Casa Grande. Na fuga, inventaram o drible. Na Capoeira, no samba, ganharam ginga e elasticidade. E quando encontraram a bola, deram a ela tratos e rumos diferenciados.

Ainda bem que o mundo só percebeu que eles eram diferente depois que Pelé ganhou duas Copas, Garrincha uma, Romário a outra e o trio miscigenação, dos Ronaldos e Rivaldo impuseram em definitivo nossa hegemonia.

A partir daí, Portugal foi buscar Eusébio em Moçambique. A França, Zidane, em Argel, a Bélgica, Lukatu, e todos escureceram suas equipes para lhes conceder mais brilho e competitividade.

Agora, será a vez do nosso último gênio mestiço entrar em campo e nos trazer a Copa. Aos 30 anos, Neymar ganhou peso, equilibro e não desaba à toa. E aprendeu, jogando anos ao lado do Messi, a correr menos e produzir mais. Assistências, então, se tornou um mestre.

Coincidência ou não, foi no domingo, Dia da Consciência Negra, que Valência, camisa 13 do Equador, despertou o mundo para a Supremacia Negra no futebol.

Não há mais espaços reservado ao racismo. O que vem ocupar o seu lugar é a admiração inconteste da humanidade pelo que eles, atletas negros, alcançaram no esporte.

Rapidos como Usain Bolt, hábeis como LeBron James, precisos como Tiger Woods, fortes como Cássius Clay e majestosos como Pelé, cabe à nossa inconsciência branca pedir desculpas.

E serão todos venerados e respeitados. Não mais humilhados ou discriminados.

Por José Roberto Padilha

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