O dia em que o nosso tempo Flutuou



O primeiro tempo que você dirige, jamais esquece. Dos nossos oito anos como treinador de futebol, começa em Xerém, combinados talentosos infantis tricolores, não tem como. Nascem habilidosos de berço e, em sua maioria, vem do Futsal.

Marcelo, Thiago Silva. Roger, Diego Souza, Carlos Alberto, Nilberto, Marcio Baby, Ricardo Gomes, Mário Alexandre, Miguel, Renato ...

Na chegada, inseguro diante da nova profissão, perguntei: "Treinador de infantil cai também?" Daí me explicaram que havia cobranças, sim, mas estava ali por que alguém caiu antes de mim. Nesse caso, não foi por resultados. Mas por avaliação.

Ele, nosso antecessor, foi convidado para ir ao Espírito Santo observar dois irmãos que despontavam na Desportiva. Um era meia. O outro, ponta esquerda. Ele foi, fez anotações, deixou o ponta e indicou o meia.

E no primeiro Fla x Flu após sua avaliação, o Fluminense perdeu por 3x0. Três gols do ponta que ele deixou por lá. Ele trouxe o Rodrigo, um ótimo meia direita com quem trabalhei. E deixou o Sávio.

Acontece. Mas assusta.

Daí campeão campeões cariocas infantis, 87, e juvenis, 89. E recebemos, como prêmio, um convite para disputar o Torneio Internacional Sub-20 em Santiago, RS. Era nosso primeiro voo aéreo depois de tantos rasteiros.

Normal a euforia. Curtiram muito a viagem, porém, dia seguinte nosso massagista, Gerônimo, nos confidenciou: muitos guardaram como "recuerdo", "souvenir", os salva vidas do avião.

Já na preleção, dei uma de Datena. Disse que deveríamos agradecer estarmos salvos. Pois na volta ao Rio, o avião pousou no mar. E muitos não se salvaram porque a Transbrasil não disponibilizou salva vidas para todos.

Houve um silêncio grave. Se tenho a trilha sonora ao fundo, sepulcral da Band, mal conseguiriam entrar em campo. Lembram-se, incorporava o Datena ...

Um seguir, pedi que jogassem por cima da parede do quarto do massagista os salva vidas. Ninguém seria punido. Dia seguinte, procuramos uma agência local e os devolvemos com um carta / pedido de desculpas.

Nesse quesito, me perdoem, sou melhor que o Datena. E o cara da agencia, emocionado, tinha meninos carentes no meio da história que só ganharam uma bola de futebol de presente na vida e nunca tinha dormido de travesseiro e ... o funcionário agregou para a direção da empresa. E esta, a Transbrasil, uma carta ao presidente Fabio Egito elogiando o gesto.

Muitos levam algo do avião, uma carta dizia. Poucos devolvem.

Mas, 19?

Fomos vice-campeões. Perdemos um final para o Inter por 1x0. E notei que muitos, disfarçadamente, voltaram ao Rio observando o mar pela janelinha.

Ah! O mar. Misterioso mar ...

E ô raça! Misteriosa raça ... a qual pertenço e tenho muito orgulho.

Por José Roberto Padilha
Foto: Reprodução

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