“Pois todos vós sois um só em Cristo Jesus” (Gl 3,28)

Neste ano, o mês da Bíblia comemora Bodas de Ouro! São 50 anos dedicados ao estudo e aprofundamento bíblico no mês de setembro, com temas e lemas propostos pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

Nesse ano, o tema é a Carta de São Paulo Apóstolo aos Gálatas e o lema: “Pois todos vós sois um só em Cristo Jesus” (Gl 3,28) que nos convida a viver novas relações nas comunidades, comprometendo-nos a eliminar todas as discriminações e a promover a liberdade, a igualdade e a justiça. 

E para enriquecer a nossa coluna compartilho, de forma livre e criativa, a reflexão do biblista Frei Gilvander Moreira, Carmelita em Belo Horizonte.

"Paulo é elo vivo de um movimento comunitário de resistência: 'eu e todos os irmãos que estão comigo' (Gl 1,2) são os autores da Carta aos Gálatas. Segundo Paulo, Jesus não quis nos tirar do mundo, mas 'do mundo mau' (Gl 1,4), ou seja, de um mundo com relações sociais escravocratas e alienadoras".

Inserida no Segundo Testamento após a Carta aos Romanos, a 1ª e 2ª Carta aos Coríntios, a Carta aos Gálatas, com seis capítulos, não é menos importante e nem menos eloquente que nenhuma outra carta paulina.

Endereçada não apenas a uma comunidade, mas a várias, Gálatas foi escrita por um Paulo profundamente indignado e irado diante das calúnias e ataques que “intrusos, falsos irmãos” (Gl 2,4) lhe desferiam pelas costas no meio das comunidades da região da Galácia, alegando que ele não era Apóstolo, que inclusive os não-judeus deveriam se circuncidar e cumprir a Lei judaica, como condição para participar das comunidades cristãs.

Essas acusações e questionamentos ao seu Evangelho anunciado não afetavam apenas Paulo, mas caso não fossem desmascarados, podiam implodir as comunidades cristãs que se inspiravam no ensinamento e testemunho de Paulo.

Em contexto de diversas tendências na evangelização, que vinham desde a briga entre Paulo e Pedro em Antioquia (Gl 2,14) por causa do conflito com “falsos irmãos” (Gl 2,4), Gálatas é Carta de resistência e de luta contra os ataques que afetavam as bases da vida em comunidade e da luta pela superação de relações sociais escravocratas e busca conquistar condições objetivas que viabilizem a construção de relações sociais de liberdade, de equidade e de respeito à dignidade da pessoa humana.

A Carta aos Gálatas nos convida à superação de uma vida cristã fundamentalista - ritualista, espiritualista, moralista, religião do consolo e da autoajuda – e conclama-nos ao compromisso radical com o Evangelho de Jesus e a causa de todos/as escravizados/as da história, o que exige abraçarmos pelo nosso modo de vida um estilo simples e austero, opção de classe e batalhar ao lado dos/as empobrecidos/as na luta pela conquista de seus direitos: terra, teto, trabalho com salário justo, meio ambiental sustentável e superação de todos os preconceitos e discriminações.

Paulo reivindica sua condição de apóstolo na controvérsia com os "falsos irmãos", ao travar um debate "intracristão".

Em Gálatas, Paulo não está defendendo o Evangelho de Jesus Cristo diante de judeus, seguidores do judaísmo, mas está indignado com “falsos irmãos” que se dizem também seguidores de Jesus Cristo. Paulo se sentia Apóstolo autorizado diretamente por Jesus Cristo e por Deus, que ele compreendia como “nosso Pai” (Gl 1,3) e como quem ressuscitou Jesus Cristo (Gl 1,1), que é o “Senhor” de nossas vidas. 

Afirmar Jesus Cristo como Senhor (Kyrios, em grego) é algo tremendamente subversivo e revolucionário, pois “Senhor’ no Império Romano era o imperador divinizado.

Sustentar que ‘senhor de nossas vidas’ é Jesus Cristo, aquele fora da lei, transgressor e subversivo condenado à morte pela pena mais execrável, a crucifixão, era ‘cutucar com vara curta’ o divinizado imperador romano e assumir o risco de sofrer a mesma condenação do galileu Jesus.

Paulo é elo vivo de um movimento comunitário de resistência: “eu e todos os irmãos que estão comigo” (Gl 1,2) são os autores da Carta aos Gálatas. Segundo Paulo, Jesus não quis nos tirar do mundo, mas “do mundo mau” (Gl 1,4), ou seja, de um mundo com relações sociais escravocratas e alienadoras.

 Paulo abomina a ideia de “vários evangelhos” (Gl 1,6-7), como se fosse possível moldar o Evangelho de Jesus Cristo segundo interesses de classe e domesticá-lo para justificar posturas hipócritas e cúmplices de relações sociais de opressão.

As comunidades cristãs não podem se reduzir a um grande guarda-chuva que abriga “gregos e troianos”, opressores e oprimidos, cada um/a com o tipo de religiosidade que lhe agrada. Esse relativismo é fulminado pelo apóstolo Paulo.

De forma enfática, ele afirma: ‘Não existe outro Evangelho” (Gl 1,7), além do de Jesus Cristo, revelado a ele nas entranhas das relações humanas conflituosas (Gl 1,12). “Maldito quem anunciar a vocês um evangelho diferente do que anunciamos” (Gl 1,8-9). Paulo faz perguntas inquietantes: “Busco aprovação dos homens ou de Deus? Procuro agradar aos homens?” (Gl 1,10).

É claro que aqui Paulo não se refere a todo e qualquer homem, toda e qualquer pessoa humana, mas certamente não busca a aprovação dos homens de poder, dos que sustentam e reproduzem relações sociais escravocratas.

Paulo também não aceita adocicar o Evangelho de Jesus Cristo para “agradar aos homens”, seja os que estão no poder, seja o povão alienado e escravizado. Levemos a sério a exortação do apóstolo Paulo aos Gálatas: "Não esqueçam os pobres!" (Gl 2,10) e “sejam livres!” (Gl 5,13).

Medoro, irmão menor - padre pecador

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