
Tirando os homens da corte, herdeiros de terras e brasões, aristocratas e nobres, poucas oportunidades iguais foram concedidas ao homem comum no Brasil.
São raros, nestes 521 anos de idade, os exemplos de quem veio do nada conseguir superar tamanhas barreiras e ascender socialmente. Quase sempre, trata-se da história de uma gente que veio do nada e nada, além de índice, se tornará um dia.
Mas Deus, cansado de esperar algo mais que o Bolsa Família concedido por seus governantes para equilibrar a riqueza daquela gente, mandou construir na periferia das cidades, em lugares onde a saúde chegava tímida e a educação em doses homeopáticas, campinhos de peladas.
Sem outra opção já que não há por lá lazer, cinema ou teatro, estes campinhos atrairiam com seus desníveis, calombos e montinhos artilheiros centenas de crianças e adolescentes que por lá travariam, durante toda a sua infância e adolescência, um fascinante duelo de destreza com uma bola de futebol.
Que sempre era de meia, no aniversário de plástico e, no Natal, vinha confeccionada em couro para o delírio da rapaziada.
Daí, em silêncio, uma fábrica de dribles inusitados foi instalada, com direito a canetas, lençóis e elásticos. Começaria por lá a maior redistribuição de renda de todo o planeta. De um campinho de Bento Ribeiro, subúrbio do Rio, surgiu um fenômeno.
No subúrbio ao lado, na Vila da Penha, se fez um Senador da República. De Quintino, veio o Rei Arthur e de Três Corações, Minas Gerais, foi coroado a maior de todas as majestades do mundo da bola: Pelé.
Junto a eles, milhares destes meninos das comunidades encontraram no futebol a oportunidade de levar dignidade a toda sua geração. Compraram a tão sonhada casa dos seus pais e levaram irmãos, primos e sobrinhos a conhecer a Holanda, Barcelona, Roma.
Com seu talento único ganharam o mundo, se tornaram a maior matéria prima de exportação do país e só agora, em 2021 segundo a CBF, foram contabilizados 1063 jogadores brasileiros atuando fora do país. Em Portugal são 231, na Itália, 92 e no Japão, 62.
De repente, o Projeto Minha Casa, Minha Vida é implantado no país e ocupa grande parte destes campinhos. Que paradoxo: ao abrigar com dignidade toda a família pela primeira vez na sua história, encobre o laboratório onde seus meninos retirariam seu passaporte e mais rapidamente alcançariam sua independência.
Em pouco tempo, cairia o nível técnico dos estaduais e do campeonato brasileiro. Mais que isto, ao anunciar os 23 maiores jogadores que concorrerão ao prêmio máximo da FIFA, apenas um brasileiro tem sido lembrado: Neymar. Que começou jogando num campinho de Santos, hoje substituído por um conjunto habitacional.
A solução? Tombar nossos últimos redutos de craques, os campos de terra batida, como patrimônio histórico, esportivo e cultural. Antes que seja tarde.
Antes que o torcedor do Botafogo ache normal que Warley possa continuar a vestir a camisa 7 que foi do Garrincha. Que a de Nilton Santos seja, impunemente, vestida por Carlinhos.
O consolo, a esperança, é que lá , neste país inventado, achado ou descoberto chamado Brasil, o Zico pode ser rico, mas o rico jamais será um Zico.
Porque o rico, concederá aos seus filhos mais do que a única bola de futebol que Zico tinha como brinquedo. Eles iniciarão seu aprendizado em escolinhas onde lhe ensinarão, com 11 anos, a marcar quando deviam estar livres para criar.
E com o Playstation de última geração, farão lindos gols virtuais com as mãos que substituirão aqueles cansativos e suados buscados ao vivo, com a bola nos pés.
Para ser um craque, é preciso ter no currículo uma topada. Daquelas que ferem a unha do dedão do pé. Para ser apenas um bom jogador nos dias de hoje, basta comprar uma chuteira Nike que será capaz de lhe roubar todo o tato.
Ou vocês acham que Michael Jordan e Le Brow James usaram luvas para lhe roubar a magia nos primeiros contatos?
Por José Roberto Padilha
إرسال تعليق