No último dia 4 de outubro, dia de São Francisco de Assis, o Papa Leão XIV assinou e publicou a sua primeira Exortação Apostólica Dilexi te. É um texto profundamente evangélico que retoma o coração da missão da Igreja: o amor aos pobres. Esse título Dilexi te — “Eu te amei” (Ap 3,9) são palavras do Apocalipse dirigidas a uma comunidade frágil e desprezada, mas amada por Cristo. Assim também os pobres, os pequenos e os esquecidos continuam a ouvir do Senhor a mesma declaração: “Eu te amei”. O texto recorda que Jesus, o Messias pobre e servo, é o rosto visível desse amor que se inclina sobre a humanidade.
A partir do clamor dos pobres, Dilexi Te reafirma que a fé cristã não pode ser separada do amor concreto, da justiça social e da transformação das estruturas que geram miséria e exclusão. Essa mensagem encontra eco profundo na realidade brasileira, como nos lembra Frei Beto, “onde as contradições do capitalismo periférico, o racismo estrutural, o patriarcado e a devastação ambiental ferem diariamente parcela significativa de nosso povo e nossa Casa Comum.
Logo nos primeiros parágrafos, o documento recorda: ‘Deus é amor misericordioso, que se preocupa com a condição humana e, portanto, com a pobreza.’ (16). Essa opção divina tem expressão concreta na conjuntura brasileira. Aqui a pobreza não é abstrata, manifesta-se na fome que ainda castiga milhões de pessoas, na informalidade que consome as forças de quem trabalha sem direitos, no abandono da juventude nas periferias, no desmatamento que expulsa povos originários e ribeirinhos.
O papa Leão XIV denuncia a ‘ditadura de uma economia que mata’. Essa frase, tão direta, dialoga com a experiência brasileira de um sistema que concentra renda, privatiza bens comuns e precariza vidas. O país mais católico do mundo é também um dos mais desiguais: 1% da população concentra quase 30% da riqueza nacional, enquanto multidões sobrevivem sem acesso à moradia, ao saneamento e à segurança alimentar”.
Isso é-nos mais que uma missão social: nossa possibilidade de um encontro real com o Senhor! “Não se trata de levar Deus aos pobres, mas de encontrá-Lo ali.” (79). Essa afirmação de Dilexi Te expressa o coração da espiritualidade libertadora, para qual o povo não é objeto de pastoral, mas sujeito histórico da libertação.Leão XIV lembra que Santo Agostinho, que teve como seu mestre espiritual Santo Ambrósio, insistia na exigência ética de partilhar os bens: «Não é de tua propriedade aquilo que dás ao pobre; é dele! Porque tu te apropriaste do que foi dado para uso comum». (43).
A partir daí o Papa mostra que a Igreja, ao longo dos séculos, sempre se ocupou dos pobres — não como um gesto assistencialista, mas como expressão da própria fé. Mais do que uma questão social, trata-se de uma relação que traduz o amor de Deus em comunhão concreta. Desde os tempos apostólicos, cuidar das necessidades foi manifestação da vida cristã: “Quem dá ao pobre empresta ao Senhor”. Os primeiros discípulos organizaram a partilha dos bens e instituíram o serviço dos diáconos para atender às viúvas e aos marginalizados.
Nos séculos seguintes, os santos e doutores da Igreja,também, reconheceramnos pobres um lugar privilegiado de encontro com Deus. São Lourenço chamou-os “os tesouros da Igreja”; São João Crisóstomo advertia: “Não adornes o altar de Cristo com ouro, se o abandonas faminto à porta”; e Santo Agostinho lembrava que dar esmola é “devolver o que pertence ao outro”. A Dilexi te insiste, por tudo isso, que o amor aos pobres não é uma opção entre outras, mas uma exigência essencial da fé. “No coração de Deus ocupam lugar preferencial os pobres” (cf. Lc 6,20).
Medoro, irmão menor-padre pecador

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