Uma rivalidade que atravessa décadas no carnaval

Escolas de samba de Três Rios se preparam para uma disputa que movimenta os bastidores

Boca Negra era muito aguardado pelo público



Redação



O que seria do desfile das escolas de samba sem a disputa de nota a nota, quesito a quesito?

O carnaval trirriense, quando o então distrito de Entre-Rios ainda pertencia à Paraíba do Sul, tinha seu ponto alto no desfile de ranchos, blocos e cordões, além dos animados foliões que festejavam a folia de Momo pelas ruas da cidade sozinhos ou em grupos.

Alguns registros do próprio Entre-Rios Jornal das décadas de 1920 e 1930, noticiam as apresentações de ranchos como Catinga da Nêga, Eu Você e Vovó, Zezé Leone, entre outros.

Em 1979, o Bom das Bocas desfilou com um enredo que contava essa história, intitulado “Da Catinga da Nêga ao Bom das Bocas”, tema na época desenvolvido pelo talentoso e inesquecível carnavalesco e artista multifacetado Wanderley Rodrigues.

Bateria da Unidos da Caixa D´Água
 

A primeira escola de samba da cidade, pelo que se tem registrado, foi a Unidos da Caixa D´Água (azul e branco fundada em 1º/3/1945), que chegou a disputar com Bom das Bocas, sua vizinha na época de quase 200 metros de distância entre as sedes, quando a quadra da coirmã verde e branco ainda era próxima ao pontilhão na entrada do bairro sob a linha férrea.

O último desfile realizado pela Unidos do Caixa D´água aconteceu em 1978, quando apresentou-se na Avenida Beira-Rio com o enredo “Exaltação à Madureira”. Naquele ano, a escola ficou em 4º lugar, atrás do Bambas do Ritmo (campeã), Bom das Bocas (2º lugar) e Mocidade Independente de Vila Isabel (3º). O samba foi assinado pelos compositores Mestre Amaro, Heleno Pretinho e Sérgio Grillo.

Integrantes do Boca Negra fantasiados de índios
 
Na década de 1960, os blocos tinham grande força e um deles era muito aguardado. O Boca Negra, liderado por Djalma Bastos Leão, desfilava pelas ruas da cidade com seus integrantes vestidos de índios com seus cocares e alegorias que chamavam atenção do público. O bloco parou de desfilar no início da década de 1970. Em 1983 o Boca Negra chegou a ser homenageado pelo bloco de enredo Quem é bom não se mistura, com sede no bairro da Jaqueira, que era liderado pelo Walter Jerônimo.

A partir de 1972, o desfile oficializado pela Prefeitura passou a ganhar uma disputa mais acirrada, especialmente entre o Bom das Bocas e Bambas do Ritmo, naquele ano, juntas, estreantes na categoria de escola de samba. As duas agremiações promoveram uma revolução no carnaval da cidade. Ainda no início da década de 1970, chegava a Mocidade Independente de Vila Isabel, que fez sua estreia com vitória, em 1973, ano em que a chuva caiu forte sobre a cidade, mas, mesmo assim a escola da Vila Isabel, falando sobre o Rio Grande do Sul, entrou firme sob a chuva, mesmo sendo considerada um “pato”, expressão que denominava a agremiação como sendo fraca diante das demais. Aquele momento deu origem à simbologia da escola adotada no pavilhão verde, vermelho e branco: um pato com um guarda-chuva na mão. Sem falar na célebre frase reforçada por seus apaixonados torcedores e dirigentes: “Campeã até debaixo d´água”.

A partir daí, uma rivalidade acabou tomando conta dos diretores, torcedores e simpatizantes dessas agremiações. A disputa impulsionou a busca pelo melhor em fantasias e alegorias. Com belos e inesquecíveis sambas de enredo, a plástica dos desfiles foi se aprimorando ano a ano.

Essa rivalidade teve seu ápice no desfile de 1976, quando a apuração transcorria no Teatro Celso Peçanha e nos arredores, na Praça São Sebastião, onde muita gente acompanhava a apuração com o radinho de pilha sintonizado na rádio 3 Rios AM, que transmitia todo o processo de leitura das notas dos jurados.

Num dado momento, torcedores do Bambas, dando a vitória como certa, já se dirigiam em numeroso grupo para a quadra, quando um dirigente chegou avisando que a coirmã e principal rival, havia ganhado o título por meio ponto.

A insatisfação tomou conta das ruas e uma grande confusão se formou, sendo necessária a vinda de policiais militares de Barra do Piraí para conter a fúria dos insatisfeitos que quebraram toda a avenida Beira-Rio (atual Prefeito Alberto Lavinas), na época palco dos desfiles, com arquibancadas, corda com manilhas separando a pista do público e pendurados em toda a extensão da passarela do samba, luminárias decoradas formando painéis coloridos sobre a avenida. Eram armações de madeira revestidas com plástico lisolene, onde a beleza imperava de ponta a ponta da concentração à dispersão, dando um clima ainda mais bonito ao carnaval.

Valdir Belô, um dos grandes destaques de luxo do carnaval trirriense, desfilando pelo Bom das Bocas
 
Vale destacar o auge dos bailes pré-carnavalescos e carnavalescos que animavam os clubes da cidade, como Caer, Entrerriense, Independência e América. Os tradicionais bailes do Carijó, Periquito, Vermelho e Branco, do Diabo, animavam a cidade e atraiam turistas vindos de toda a parte do estado do Rio de Janeiro e até de outros estados. Especialmente nas décadas de 1970 e 1980 os clubes da cidade viviam o auge de seus eventos.

Bloco da Mãe Preta e seus bonecos gigantes
 

Por muito tempo as três principais escolas de samba resistiram com suas tradições e desfiles marcantes.

Em 1985 e 1986, as escolas de samba estiveram ausentes da avenida, retornando em 1987 com os blocos de enredo. Em 1988, por força do regulamento, os três blocos de enredo melhores classificados se tornariam escolas de samba do segundo grupo em 1989, o que de fato aconteceu com Sonhos de Mixyricka (campeã), a extinta Bafo da Jaguatirica — comandada pelo saudoso Jadir Omulu — (vice-campeã) e Em Cima da Hora (do Monte Castelo), 3ª colocada. Em 1991, o Independente do Triângulo, campeão em 1989 como bloco de enredo, também passou a ser escola de samba, sagrando-se campeão na estreia como escola de samba. Ainda em 1991, Mocidade e Mixyricka, as duas escolas de samba que desfilaram (sem Bom das Bocas e Bambas), foram campeãs empatadas em número de pontos.

Walter Gerônimo comandava o bloco Quem é bom não se mistura, do bairro da Jaqueira
 
O carnaval trirriense foi envolvido numa crise sem precedentes com a ausência do desfile oficial, no período de 1995 a 2001.

Em 2002, o desfile oficial foi retomado com as escolas de samba se apresentando na terça-feira. Naquele ano desfilaram Mocidade, Bambas, Mixyricka e Independente do Triângulo, porém sem o Bom das Bocas, que voltaria em 2003, com o desfile sendo realizado ainda na terça-feira.

Em 2002 e 2003 o julgamento tinha um jurado por quesito e as notas eram inteiras. A partir de 2004, adotou-se as notas decimais fracionadas: 9,9 – 9,8 etc.

A partir de 2006 o julgamento dos dez quesitos (Conjunto ainda era julgado) passou a ter dois jurados. Alguns anos depois, também a exemplo do carnaval carioca, os quesitos passaram a ser sorteados para a ordem de apuração, dessa forma também sendo a ordem fundamental em caso de desempate, seguindo a sequência do sorteio.

De 2004 em diante, com o desfile realizado em dois dias (domingo e segunda-feira) a disputa tornou-se ainda mais acirrada com a Mocidade da Vila chegando ao tetracampeonato de 2002 a 2005 (em 2004 num empate com o Bom das Bocas). O próprio Bom das Bocas chegou ao tetracampeonato com vitórias consecutivas de 2006 a 2009 e de 2011 a 2014. O Bambas foi tricampeão de 2015 a 2017.

Mapa de apuração de 2024
 
Esse ano, sem o Independente do Triângulo, o desfile na terça-feira (4 de março), com a primeira escola entrando na avenida às 21h20 (de acordo com o regulamento), terá quatro escolas de samba e nos bastidores a disputa contra o tempo e os contratempos já está acontecendo. Na avenida, ao ultrapassar a marca do início do desfile, a emoção e entrega dos componentes, marcam a tônica de um dos melhores carnavais do interior fluminense.

E a rivalidade entre as agremiações estará mais acirrada do que nunca. Haja coração!

Imagens: Reprodução/ Arquivo


















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