Saudades do poeta maior

Wanderley Rodrigues



Não só maior como poeta. Maior em tudo o que planejou e realizou durante os setenta e um anos em que viveu. Responsável em seus trabalhos, tudo realizou buscando a singeleza, o belo, a perfeição. Na arquitetura, na prosa e no verso. A literatura sempre fez parte da sua vida, lendo, interpretando, produzindo. Na atenção, na amizade, no carinho com todos que o procuravam, foi exemplar. Lembro-me bem quando me levou à humilde casa do maior cordelista de nossa região – Pedro Braz da Silva – lá do outro lado do rio Paraíba, atravessando a estrada, quase chegando ao morro da TV. Seus escritos, suas realizações profissionais sempre demonstraram a beleza de seu interior, de sua alma. Em 2006, em sua homenagem, foi criado, no calendário oficial de Três Rios, o Dia Municipal da Cultura.

Neste 9 de julho de 2024, uma terça-feira, Wanderley José Rodrigues, o saudoso Leley, conosco ainda estivesse caminhando, estaria completando 100 anos de vida. Passando pelo Teatro Celso Peçanha, pelo prédio do Colégio Walter Francklin, por inúmeras casas e apartamentos – reconhecemos suas marcas, suas assinaturas, seus múltiplos talentos. Prazer e uma alegria maior, quando se aproximavam os tempos carnavalescos. Em tudo o que projetava e realizava, buscava o belo, o diferente. Suas habilidades artísticas lhe beneficiavam com esse privilégio. Amante da verdadeira Literatura, com alguns amigos, ajudou a criar e dar vida à primeira Academia Trirriense de Letras – Atlas. Professor Áquilas Rodrigues Coutinho, autor do hino de Três Rios, foi o primeiro Presidente. Sem grandes merecimentos, também pude fazer parte dessa agremiação literária.

Não sei se maior na engenharia, na arquitetura; na poesia, na prosa ou no verso. Tudo lhe era muito natural, próprio, muito espontâneo. Amava boas leituras, gostava de escrever – mas nunca pensou em reunir sua preciosa obra literária em livros. Ficava feliz sabendo que nós, suas discípulas e discípulos mais próximos, nos alegrávamos com seus inúmeros talentos. O Sesc/ Três Rios, à época sob a direção de Rosalee Rodrigues e maravilhosa e inesquecível equipe de trabalho, sempre realizava eventos culturais memoráveis. Em especial, nas áreas de Música, Literatura e Teatro. Leley, sempre presente como Mestre muito querido. Bons tempos, aqueles! Obrigada Rosalee Rodrigues, Maria Abília, Regina Vasconcelos, Teresa Arêas, Amaury Rodrigues, Roberto Áziz, a saudosa pianista Guiomar Moreira Caldas e tantos outros! Num dos inúmeros folhetos e pequenos livros, elaborados por essa valorosa equipe, editado em novembro de 1994 – In Memoriam de Eduardo, jovem nosso muito querido, que a violência nos arrebatou – às páginas 17, 18 e 19, Leley nos presenteou com o poema Um Sonho de Paz.


Conosco ainda estivesse, cantaríamos o “parabéns prá você!” com muita alegria, pelos seus 100 anos de vida. Mas podemos trazê-lo de volta ao nosso coração relendo um de seus últimos escritos – que guardo com carinho. Não tem título, nem data. Com certeza onde vive, hoje, está cercado de outros santos poetas.

“ Não sei quando partirei, nem como partirei. Mas gostaria de partir sem dor, qual uma folha que cai, bailando no ar, despedindo-se do outono. Gostaria de partir, despedindo-me da vida, agredecido pelo quanto me deram. Levando no olhar o último clarão dos fogos-de-bengala de meus carnavais. Na boca, o sabor-de-infância do requeijão com mariola nas horas de recreio do colégio. Nas narinas, o cheiro das terras molhadas das margens de capim-gordura do meu velho rio Paraíba. Nos lábios, o solfejo dos tangos e boleros que cantei em salões e serenatas. Levando, no coração, a marca do amor e, na alma, saudade boa. Gostaria de partir como quem vai ali... pra voltar já sem aparatos, sem rituais, deixando uma coceira discreta nos olhos dos amigos, uma palavra de Paz na boca dos parentes e um lenço branco acenando, à distância, na mão de uma boa alma que me queira bem. Partir como quem vai pegar o trem!”

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