Cuidar de quem cuida

Entramos na metade do ano com o mês de julho, tempo privilegiado de férias para os estudantes e também educadores. Tempo que nos ajuda a cuidar de nós mesmo e dos outros. Daí compartilhar com o leitor, nesta e nas duas próximas quartas-feiras, o artigo do Prof. Dr. Fernando Altemeyer Junior, assistente doutor da PUC-SP (fajr@pucsp.br) sobre o cuidado de quem cuida.

Já sofremos muitos anos de muitas pandemias e viroses e síndromes, com muita dor e também muita esperança e algumas vitórias. Certas pessoas nada aprenderam de bom em duro momento de crise. Continuam falando de normal, de novo normal, e se auto enganam com suposta volta à normalidade. Parecem burros com cabresto. Gente sofreu mortes e hospitalização grave, milhares têm sequelas e ainda não podem viver tranquilos. Há muita fome, muito luto que não foi participado e muitos crimes governamentais ainda merecem ser investigados e ministros, militares e bolsonaristas devem ser punidos.

Uns poucos, Deus seja louvado, com altas doses de ética e humanismo, tiraram lições vitais no duro aprendizado da vida que se enfrenta diariamente frente ao enigma da morte. Vamos morrendo lentamente enquanto lentamente vamos vivendo e esticando o horizonte da vida. Alguns poucos poderosos seguiram os passos maléficos de quem não tem coração. Outras pessoas, que tinham coração bondoso se tornaram ainda melhores. A grande maioria fez as duas descobertas que são centrais para a humanidade. A primeira delas foi a de reavivar a consciência de que a essência do humano reside no cuidado, pois somos convidados a cuidar de nosso próprio cuidado. Aprendemos a colocar cuidado em tudo o que fazemos para mostrar o melhor de nós mesmos. A segunda iluminação foi a de cuidar de si quando estiver cuidando de alguém doente. Ou seja, cuidar dos cuidadores/as é algo urgente e que não pode ser relegado a um segundo plano. Muitas vezes, o cristianismo compreendido de forma equivocada deriva em um altruísmo que submete o sujeito. Outras vezes, em narcisismo que nega o outro e o irmão que padece. Amar na justa medida do cuidador e da pessoa cuidada. Eis a questão!

Quando alguém adoece em uma casa ou família, nem sempre se percebe que em pouco tempo a casa ou toda a família também fica doente. Sempre dirigimos nossa ação terapêutica em favor do cuidado do mais frágil, do aflito, dolorido ou até mesmo de gente hospitalizada que lutou por oxigênio e pulmões sadios. Pouca atenção, contudo, é dirigida aos que cuidam dos que sofrem, recordando que eles têm sentimentos, medos, dores e, às vezes, somatizam muito mais que o próprio acamado. Infelizmente e de forma invisível, cuidadores e cuidadoras são esquecidos e deixados, à própria sorte, em seus vazios, confusões e sobrecarga.

A sobrecarga de cuidar de alguém, particularmente da família e do círculo próximo de afetos, gera tensão e desequilíbrio que podem abater machucar, além de clamar por mudanças no cuidado. O rabino Earl A. Grollman, afirma que “setenta e cinco por cento das visitas de rotina a médicos relacionam-se com stress e uma das maiores causas de stress é cuidar de uma pessoa amada que está doente. Um coração dolorido sobrecarrega o resto do corpo” (Em um folder de Bikur Cholim da Comunidade Hebraica Shalon).

Quem cuida precisa de cuidados! Quem cuida de outras pessoas por caridade, por compaixão ou mesmo como uma profissional de terapias médicas ou psicológicas precisa de apoio efetivo e deve procurar se manter saudável. Algumas dicas são preciosas: não pule refeições, faça exercícios físicos regularmente para liberar sentimentos represados, busque dormir o suficiente, respeite as suas próprias necessidades, preste atenção ao seu eu interior e diga para você mesmo: “Eu sou importante também”. Responda com ternura e compreensão para não esgarçar o tecido e endurecer a relação. Você é mais do que alguém que cuida do outro: tem dimensões de força e de fragilidade diariamente. Você é você, com necessidades e sonhos.

As vacinas contra a Covid-19 são eficazes e salvaram milhões de vidas. Infelizmente o atraso deliberado e cruel do processo vacinal produziu milhares de mortos e fortaleceu o vírus mutante que já está na cepa Ômicron. Quem cuida de outros precisa de um check-up completo e de pessoas que o/a escutem quando estiver cansado/a. Um cuidador não deve buscar saídas fáceis e mágicas como afundar-se em drogas ou álcool. Essas fugas químicas só bloqueiam os sentimentos por pouco tempo e, ao final, degeneram em depressão, pois não permitem o fluxo livre das emoções. Álcool e drogas geram ainda mais ansiedade e produzem um coração empedrado.

O cuidador precisa de descanso. Todo dia deve reservar para si um momento de passeio ou de escutar uma música para restabelecer o equilíbrio interno. Depois de muito tempo cuidando de alguém, é hora de revezamento e de umas férias. Ninguém é de ferro. Reduzir a velocidade e renunciar a responsabilidade por algum tempo é preciso para não quebrar seu amor e seu corpo. (Continua na próxima quarta-feira).

Medoro, irmão menor-padre pecador

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