Vestir-se da nova humanidade!

Iniciamos setembro, o Mês da Bíblia, com o que tem duas motivações importantes e inseparáveis. Primeiro, o dia 30 de setembro é dia de São Jerônimo (342-420), o tradutor da Bíblia para o latim, a Vulgata. São Jerônimo colocou a Bíblia na linguagem popular, acessível ao povo, o latim na época. Segundo, porque, com a Opção pelos Pobres e a Dei Verbum, um dos Documentos do Concílio Vaticano II, a leitura da Bíblia a partir dos pobres, de forma comunitária, militante, (macro)ecumênica e transformadora, foi incentivada e vem sendo feita há cinquenta anos. E por isso estamos realizando uma vez mais o Seminário de Fé e Política. 

Nesse ano, somos convidados a refletir e inspirar a caminhada sobre a Carta aos Efésios, sob o lema “Vestir-se da nova humanidade” (cf. Ef 4,24).“Um primeiro aperitivo” nos vem do biblista Frei Gilvander Moreira, sob o tema “Agir ético libertador na “Carta aos Efésios”. Nesta epístola devemos buscar compreender, primordialmente, a sua dimensão ética, à luz da seguinte questão: Que tipo de ética, de agir, de atitudes, enfim, que postura cristã a “Carta aos Efésios” nos exorta a colocar em prática? O agir ético faz a diferença. Muitas vezes, influenciado/a por uma perspectiva excessivamente psicológica lemos os textos bíblicos buscando, consciente ou inconscientemente, voluntária ou involuntariamente, modelos de personagens bíblicos que devemos imitar. Na perspectiva profética e sapiencial, mais do que imitação de personagens bíblicos, o que os textos bíblicos pedem de nós é um agir ético.  

Trata-se de um agir ético como o defendido no Evangelho de Lucas, onde a prática é decisiva. Isto é comprovado na obra lucana (Evangelho de Lucas e Atos dos Apóstolos) com expressões, tais como: “Façam coisas para provar que vocês se converteram…” (Lc 3,8a); “As multidões, alguns cobradores de impostos, alguns soldados, … perguntam a João Batista: “O que devemos fazer?” (Lc 3,10.12.14). Um escriba pergunta a Jesus…: “O que devo fazer para receber em herança a vida eterna?” (Lc 10,25) e depois de contar o “episódio-parábola” do Bom Samaritano, Jesus responde dizendo: “Vá, e faça a mesma coisa” (Lc 10,37). Muitos outros textos do Evangelho de Lucas podem ser evocados para respaldar a conclusão de que Lucas dá uma grande prioridade ao agir libertador. No primeiro versículo de Atos dos Apóstolos está: “… tudo o que Jesus começou a fazer e a ensinar” (At 1,1).

A prática é recordada antes do ensinamento, o que quer dizer que acima da ortodoxia está a ortopráxis, a prática certa e libertadora. Mais importante do que ter uma “opinião certa” é ter uma prática correta, libertadora. Lucas quer dizer que uma das grandes características das primeiras comunidades é que elas eram comunidades de ação, de prática, de testemunho. Não se trata de qualquer tipo de ação, mas de ações solidárias e libertadoras.

Na Carta de Tiago se afirma, de forma enfática, que “a fé, sem obras, é completamente morta” (Tg 2,17.26) e em muitas outras passagens bíblicas. Por exemplo, no discurso final do Evangelho de Mateus (Mt 25,31-46) isso fica evidente em perguntas implícitas provocadoras que remetem diretamente para o nosso agir ético: “Eu estava com fome. Vocês me deram de comer? Eu era estrangeiro. Vocês me acolheram em casa? Eu estava nu. Vocês me vestiram? Eu estava doente. Vocês cuidaram de mim? Eu estava preso. Vocês me visitaram?” (Mt 25,35-36). Prestemos atenção no tecido verbal: “dar, acolher, vestir, cuidar e visitar”, todos verbos de ação. A pessoa é reconhecida como justa – “os justos” (Mt 25,37) – se agir acolhendo os clamores dos últimos: “Toda vez que vocês FIZEREM isso a um dos menores (injustiçados/as) de meus irmãos, foi a mim que o FIZERAM” (Mt 25,40).

Importa recordar que ética é muito mais que moralidade, a qual muitas vezes se restringe à postura de juiz/a que pensa estar na arquibancada da vida de onde se põe a julgar: “sou a favor disso, contra aquilo…” Ética diz respeito ao agir humano, está muito além de boas intenções. A “Carta aos Efésios” nos exorta a um agir humano libertador, humanizador e integrador com todos os seres vivos e a biodiversidade, em uma relação fraternal, justa, solidária e respeitosa geradora de condições objetivas que garante a vida em todas as suas expressões. Daí, busquemos pessoalmente e em nossas comunidades, círculos bíblicos, pastorais, associações e movimentos de evangelização acolher, aprofundar, assimilar e vivenciar o apelo da Carta aos Efésios: “Vestir-se da nova humanidade” (cf. Ef 4,24).


Medoro, irmão menor-padre pecador

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