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Ao terminar o seu desfile de 22 anos, o Bloco da Barão teve todos os sintomas para receber sua extrema unção. Choveu tanto no Réveillon que foram inundadas as Ruas Presidente Vargas, seu trajeto original, e Barão de Entre-Rios, uma rota alternativa de escape para alcançar a Praça São Sebastião.

A rainha escolhida na véspera para representar Iemanjá, sempre uma morena, inovação criada por Jorginho Espanta, moradora da Ponte das Garças, ficou retida no Triangulo e não chegou à concentração.

Às duas da manhã, com um terço dos componentes, que foram desistindo, saímos pela contra mão da Avenida Alberto Lavinas com os heróis da resistência. Que permaneceram ilhados no Trailer Comi Comi.

Em meio ao improviso, uma mulher de branco, embriagada, subiu no carro alegórico de costa para o desfile e, completamente molhada, deixava transparecer o branco, não da paz e da esperança. Mas de sua calcinha encharcada. Tão bagunçado nos lançamos ao desfile, que pela primeira vez alcançamos o segundo lugar, mesmo desfilando sozinhos.

Um bloco de garis, varrendo a avenida em sentido contrário, segundo os votos do júri popular, estava melhor em harmonia. A imagem de Iemanjá , em um cantinho do carro, a tudo assistia.

Segunda-feira, um grupo de senhoras tocou a campainha lá de casa e da nossa consciência.

Minha esposa foi logo dizendo: "Deve ser um carro que foi atingido pelo carro alegórico!". Trauma de desfiles anteriores de rodas malucas e condutores alcoolizados.

Foram vários minutos de puxões de orelhas e enquadramento do tipo “Com que direitos vocês ofenderam a imagem de uma sagrada divindade?”; “Não foram vocês que escolheram Iemanjá, ela é que escolheu vocês para a conduzirem soberana e majestosa nas primeiras horas de cada novo ano!”.

"E ela precisa que a respeitem!"

Duas décadas desfilando na bateria, mal tive chances de perceber que à volta um grupo de devotas de Iemanjá crescia a cada ano. Que seguiam o bloco, retiravam as flores do carro alegórico e as atiravam nas águas do Rio Paraíba do Sul.

Não tive tempo para refletir porque aquela imagem estava com a gente desde o primeiro ano, que desfilava em segundo plano e era guardada após os desfiles em um cantinho lá da casa dos meus pais. Ofuscada pela presença de belas morenas e até de manequins vestidas de branco e azul, não percebemos que era sua força e energia que nos conduzia tão longe.

Desde então, ninguém passou a dividir com Iemanjá o pedestal que merecia ocupar nos carros alegóricos. Ela, soberana, ornada de flores, tem sido guia e protetora de uma cidade que não mais parou de crescer.

Quanto ao Bloco da Barão, depois que ninguém mais obteve licença para ofuscar sua luz, se fortaleceu e passou a ser considerado de Utilidade Pública e Abre alas oficial do Carnaval de Três Rios. Hoje, faz parte da Programação Oficial da Prefeitura de Três Rios

Nesta noite, de segunda-feira de puxões de orelhas, dormi aliviado. Procurava, desde então, as razões que nos levavam a brigar com amigos, discutir com familiares, enfrentar o descaso de algumas gestões para manter o bloco na rua. Resistir a apelos para viajar e assistir a queima de fogos em Copacabana com a família.

Sempre em meio às dificuldades, a cada ano nossa protetora tem enviado uma santa criatura a nos dar as mãos, que surgem inesperadas no barracão, se renovam com os anos e que tem nos ajudado a abrir os caminhos para Iemanjá.

Se sou devoto de Iemanjá? Ainda não sei, apenas passei a respeitá-la ao compreender as razões de sua presença. Sendo assim, em nossa residência foi erguido um pedestal onde foi colocada e suas flores são renovadas toda sexta feira. E a descemos para tomar um banho no quintal em dias de chuva.

Afinal, foi a Rainha das Águas que o destino colocou em nosso caminho. E orientações do destino, aprendemos, não são discutidas. São cumpridas, mesmo que a gente leve anos de desfiles para percebê-las.

Por José Roberto Padilha

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