O cantor das aflições



Deve ter acontecido com as mulheres da minha geração o sofrimento interno, intenso e abafado em nome da auto-estima.

Do desconforto de assistir ao lado do companheiro a súbita aparição, na televisão, de uma deusa da vez. Era a Rose Di Primo, Vera Fischer, as Garotas do Fantástico e a Sônia Braga subindo no telhado.

Porque a revista a gente esconde, o rádio pouco sensualiza, cinema você disfarça e opta pelo teatro, mas sentado juntinho no sofá diante da TV não dá tempo de correr. Nenhum deles deixou pistas, mas elas juraram que o coração acelerou junto ao suor na testa que não combinava com a temperatura ambiente.

Elas deveriam sofrer em silêncio, mas na verdade gostariam de sufocar seus parceiros ali mesmo no sofá.

Pregam os manuais de redação do ENEM que para abordar um tema precisamos de uma abertura. E o pseudo sofrimento feminino foi a introdução que encontrei a justificar a própria angústia sobre as seguidas aparições na telinha de Fábio Jr.

Além de boa pinta, carismático e querido, a "peste" ainda tinha a fama de garanhão. Atuava em novela, cantava e fazia shows pelo país. Eram seguidos desconfortos e pouco adiantava dizer que não cantava nada. A paixão se alastrara como praga entre as fêmeas e pouco adiantava trocar de canal. Ele se multiplicava.

Tinha um outro galã incomodando os inseguros, mas rapidamente inventaram pra ele um romance com uma cenoura e fomos todos os machos brasileiros dormir aliviados. Como coelhinhos.

Até que no último domingo, depois de um atenuante sumiço, a nova versão da razão maior de todos os ciúmes deu as caras na televisão. Não como Fabio Jr, mas como Fábio Master. Ufa! Que alívio.

Ele envelheceu junto às suas vitimas e o Ibope registrava o país masculino comemorando seu rosto inchado, algumas rugas e as pálpebras fechando aquele olhar que fuzilava quem sentava ao lado. Enfim, o sofrimento cessou quando as lágrimas por ele derramadas desnundaram profundos sulcos na face do cantor das aflições.

Já sessentões e vingados, fomos até a cozinha buscar uma taça de vinho para brindar o fim da agonia. Pouco adiantou, na volta as encontramos chorando junto a todas as mulheres da nação. Tinha jogo no outro canal e era perda de tempo convencê-la a trocar.

Fábio Jr continuou mandando na sala e quem somos nós, pobres machos brasileiros do presente, com passados mal resolvidos, inseguros mesmo diante de lindas confianças, a enfrentar o tamanho dessa idolatria?

E também, caramba, por onde andaria a Vera Fischer que não reaparece para dar o troco, equilibrar o jogo com aquelas pernas grossas e furadinhas que as invejosas vão dizer que são celulites?

Foto: Reprodução do colunista

Comentar

Postagem Anterior Próxima Postagem