A arte que fala português



Em 1932, uma bola foi cruzada da linha de fundo em direção à pequena área da equipe do Carioca, pelo campeonato estadual do Rio de Janeiro, em direção à Leônidas da Silva.

Então atacante do Bonsucesso, quando ele se preparava para concluir, a bola quicou em uma irregularidade do terreno e tomou um outro rumo.

Qualquer jogador que não pertencesse a esta iluminada raça miscigenada, não incorporasse a capoeira e outros ritos culturais pela colônia preservados de ancestrais fugas e capturas, lamentaria o seu curso. E colocaria as mãos na cintura.

Leônidas da Silva, não. Negro, safo e habilidoso, virou de costas para o gol adversário e se jogou no ar num rodopio a tentar alcançar seu objeto de desejo. Nada era fácil para eles, como perderia aquela bola?

E pés e bola se encontraram no ar e as redes, ao balançarem, registraram o espanto do público diante de uma inédita obra de arte. Desta vez ela não chamava Mona Lisa. Era um gol de Bicicleta.

Há alguns anos, pela Champions League, atuando pelo Real Madrid contra a Juventus, em Turim, um descendente dos nossos colonizadores, que certamente carregou em sua árvore genealógica um ramo miscigenado, Cristiano Ronaldo, pintou um novo quadro, ao vivo, para um mundo boquiaberto pela plasticidade e raridade do movimento.



Desta vez a bola veio reta, o gramado era um tapete, não irregular como em Teixeira de Castro, mas alcançou uma altura tamanha, 2,40m, quase impossível de ser encontrada.

E o artista atirou seu pincel no vazio e desenhou, com a ponta da chuteira no terceiro andar, uma nova obra de arte que se alinhou nas redes de Buffon.

Historiadores se dividem: afinal, fomos descobertos ou achados pelos portugueses?

Pelo menos agora, na história da arte do futebol, não há mais dúvidas: quando Leônidas da Silva e Cristiano Ronaldo captam a essência do Rei local, Édson Arantes do Nascimento, e perpetuam a bicicleta como um quadro raro e precioso exposto no Baú do Esporte, o mundo fica sabendo que quando o pincel é uma bola, a tela um campo de futebol, todo Leonardo da Vinci fala português.

Se por baixo se desentenderam em revoltas, motins e insurreições, no ar encontraram não apenas uma bola, mas paz e a harmonia em forma de arte.

Por José Roberto Padilha
Imagens: Reprodução

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