Os Safados



Minha mãe, Janet Lopes Padilha, pertencia a uma outra estirpe. Porque foi a única lá em casa que só me ofereceu leite. Cerveja? Só Malzebier, e mesmo assim quando amamentava. E jamais disse um palavrão.

Sua máxima ofensa, destinada a dois desafetos, os únicos que teve em vida, foi chamá-los de safados.

O primeiro foi meu treinador, Pinheiro. Meus pais foram assistir Fluminense X Atlético MG, e chovia muito no Maracanã. Com 3x0 para o galo, faltando 10 minutos para acabar, ele me coloca em campo. Na reserva do Lula, o máximo que consegui foi uma infecção na garganta.

E minha mãe jamais o poupou. Safado!

O outro foi o Padre Barroso. Quando meus pais foram casar, com religiões distintas, os Lopes, espíritas, os Padilhas, católicos, se recusou a celebrar sua união. E ainda disse uma frase que a marcou profundamente: "Não vou casar uma neta de macumbeira!"

"Macumbeira" seria Rita Cerqueira, a Mãe Ritinha, sua bisavó, cuja dedicação aos mais sofridos a tornou uma referência na doutrina espírita.

Foram casar em Areal e jamais o poupou: Safado!

Neste complicado contexto, em voga nos anos 50, deixaram filhos e netos jogando bola na pracinha e ninguém ousou carregar um para a missa, outro para o culto. Não éramos ateus, nos deixaram à toa.

Não foi fácil seguir uma religião. Nos religar a Deus. Mas minha filha, Roberta, me convidou ontem para a Missa em louvor a. São Sebastião. E, hoje, vou ao Centro com a Priscila.

Tantos anos depois, virei um religioso Total Flex porque também sou devoto de Iemanjá. Tenho abastecido minha fé em postos distintos, de ritos e preceitos, cujo dono da rede de distribuição chama-se Deus.

E vou bem obrigado, a ponto de ter perdoado os dois.Minha mãe irá me entender porque o sincretismo, a riqueza de cultos religiosos que encontrei jogando por nosso país, são motivos de orgulho. Não de discórdia.

Afastado da grandeza do Papa Francisco, distante dos ensinamentos de Kardec, sem visitar o terreiro do meu amigo, Babalorixá Gilmar Borsato, e mais, Pinheiro achando que viraria aquele jogo diante do Campeão Brasileiro de 1970, só nos restou clamar a Deus pelos dois.

Porque Padre Barroso não sabia o que estava pregando, Pinheiro, com quem estávamos enfrentando sob o comando de Telê Santana.

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