Sempre tereis pobres entre vós

O Pontificado do Papa Francisco tem na opção preferencial pelos pobres uma característica do rosto que a Igreja deve ter.

Desde a sua eleição ele vem apresentando essa característica que era, sem dúvida nenhuma, no período pós conciliar, própria da Igreja Latino-americana, tão bem apresentado nos documentos das Conferências Episcopais de Medelín (1968) e Puebla (1979) e confirmados nas outras conferências seguintes de São Domingos (1992) e Aparecida (2007).

Há cinco anos atrás na carta Misericórdia et Misera ele criou o Dia Mundial dos Pobres, sempre no 33º domingo do tempo comum da Liturgia Católia. Nesse ano, foi no último domingo dia 14 de novembro e teve como referência bíblica: “Sempre tereis pobres entre vós» (Mc 14, 7).

O Papa Francisco quis com esse dia demonstrar que os pobres estão no centro do Evangelho e devem estar no centro das preocupações da Igreja.

E isso se faz necessário quando entendemos as várias dimensões dessa pobreza e vemos o rosto de Jesus nos rostos dos mais vulneráveis pela pobreza e pela exclusão do acesso aos bens produzidos na sociedade.

Nesse momento em que passamos por uma pandemia, onde tivemos que nos isolar dos contatos comunitários, vivemos a experiência da dor da perda e ao mesmo tempo a necessidade de unir os nossos corações; fazendo nas nossas comunidades a experiência do amor que ultrapassa barreiras geográficas, tendo esse amor como cimento da unidade e da atenção às necessidades dos mais pobres, acometidos pelo desemprego e pela fome que matam não só o corpo, mas a dignidade enquanto ser humano.

Pode-se dizer que esse Dia Mundial do Pobre pode ser visto em algumas perspectivas. A primeira, enquanto pessoas, somos corresponsáveis pelo outro.

O Papa Francisco nos diz na sua última Encíclica Fratelli Tutti que “o ser humano está feito de tal maneira que não se realiza, não se desenvolve, nem pode encontrar a sua plenitude a não ser no sincero dom de si mesmo aos outros”.

É um momento oportuno de pensarmos as nossas relações e a nossa mentalidade frente a situação das pessoas empobrecidas que estão ao nosso redor.

O que eu faço para mudar essa situação? As minhas atitudes são coniventes com a minha fé? Eu vejo o Cristo presente na vida dos empobrecidos?

Vivemos um processo permanente de conversão, e isso pressupõe mudanças. Como diz o Papa na Mensagem do Dia Mundial do Pobre: “precisamos de aderir com plena convicção ao convite do Senhor: «Convertei-vos e acreditai no Evangelho» (Mc 1, 15).

Esta conversão consiste, primeiro, em abrir o nosso coração para reconhecer as múltiplas expressões de pobreza e, depois, em manifestar o Reino de Deus através de um estilo de vida coerente com a fé que professamos.

Com frequência, os pobres são considerados como pessoas aparte, como uma categoria que requer um serviço caritativo especial.

Seguir Jesus comporta uma mudança de mentalidade a esse propósito, ou seja, acolher o desafio da partilha e da comparticipação”.

A outra perspectiva é enquanto Igreja. É necessário que nesse dia, onde os pobres estão em destaque, a Igreja em todas as suas dimensões perceba a necessidade de ser “uma Igreja pobre com e para os pobres, uma Igreja em saída que está próxima das pessoas em situações de sofrimento, precariedade, marginalização e exclusão”, como nos pede o Papa Francisco.

E ele vai mais além: “os pobres não são pessoas ‘externas’ à comunidade, mas irmãos e irmãs cujo sofrimento se partilha, para abrandar o seu mal e a marginalização, a fim de lhes ser devolvida a dignidade perdida e garantida a necessária inclusão social.

Aliás, sabe-se que um gesto de beneficência pressupõe um benfeitor e um beneficiado, enquanto a partilha gera fraternidade. A esmola é ocasional, ao passo que a partilha é duradoura.

A primeira corre o risco de gratificar quem a dá e humilhar quem a recebe, enquanto a segunda reforça a solidariedade e cria as premissas necessárias para se alcançar a justiça”

E por última perspectiva, enquanto sociedade. A Igreja profeticamente vem denunciando o modelo econômico que impera hoje sobre as nossas sociedades e de suas políticas que são geradoras de mazelas sociais e piora as condições das populações mais vulneráveis diminuindo cada vez mais os seus direitos e enfraquecendo os diversos mecanismos de proteção social por interesses expresso pelo mercado.

No Brasil isso é gritante. Podemos perceber isso na nossa própria cidade, com o aumento de famílias vivendo na pobreza e dependente cada vez mais da ajuda e solidariedade de todos nós. O Papa Francisco também deixa claro essa crítica ao mercado em sua mensagem:

“Um mercado que ignora ou discrimina os princípios éticos cria condições desumanas que se abatem sobre pessoas que já vivem em condições precárias. Deste modo assiste-se à criação incessante de armadilhas novas da miséria e da exclusão, produzidas por agentes econômicos e financeiros sem escrúpulos, desprovidos de sentido humanitário e responsabilidade social.”

Que esse Dia Mundial dos Pobres, continue sendo uma luz para mudarmos a nossa mentalidade, as nossas práticas e principalmente as nossas relações com os mais pobres enquanto Pessoa, Igreja e Sociedade.

Que com a inspiração de São José, pai dos pobres, refúgio dos miseráveis e amparo de todos os cristãos, caminhemos numa comunidade cada vez mais fraterna, amorosa, alegre e grata ao Deus misericordioso.

Gilberto Simplício, Sociólogo, assessor do Movimento Fé e Política
Medoro, irmão menor-padre pecador

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