Uma lenda em extinção

Seu nome é Papai Noel. Durante muitos anos ele residiu em nosso imaginário, talvez fosse a última lenda a resistir, junto à chegada da cegonha para iludir os irmãozinhos, e que eram contadas para nós, então criancinhas.

E tinha o Coca-Cola, um mendigo cheio de barba e com um saco nas costas que corria atrás da gente pelas ruas de Três Rios. Os adultos nos faziam colocar sapatinhos nas janelas e esperar o bom velhinho trazer nossos presentes.

Não pelas lareiras, essa parte da história era substituída pelas sacadas, pouco importava, também por aqui não havia renas, muito menos caía neve. Mas todos iam dormir alegres e ansiosos, lembram-se, éramos crianças.

Brincávamos de bolinhas de gude, soltávamos pipas e descíamos ladeiras suando frio em cima de carrinhos de rolimã.

Domingo, em um Shopping, em Juiz de Fora, já mais do que adulto, assisti a sua nova chegada, quem sabe a última, desta figura lendária. Não resisti ao pouco caso provocado em sua pré-estreia e como seu trono aveludado e macio estava vazio, fui até lá lhe dar uma força.

Afinal, aquele bom velhinho tinha moral comigo e com a minha geração. Já nos dera muitas alegrias.

“E aí, Papai Noel, tudo bem?”

Bem nada, meu amigo. Estou aqui há cinco horas e só recebi a visita dos adultos com suas crianças no colo. As que já andam e falam preferem o PlayNoel, da Sony.

Dizem que nele minha chegada é muito mais divertida. Em 3D, com trilha sonora da Anita e tudo. Até eu quero assistir minha chegada por lá.

“Por acaso você não chegou cedo demais? Nem entramos em novembro e os porteiros mal colocaram suas caixinhas de natal nas portarias...”

Esse é o problema. No início, eram simples lembranças que trocavam seguindo o exemplo dos Três Reis Magos. Eles receberam o Menino Jesus com apenas três presentes.

Agora não são mais lembranças, virou um consumismo exagerado. Os presentes são tudo. Coitado do aniversariante, veio ao mundo pregar justamente o contrário.

Tamanha cobiça, nem respeitam mais aniversário de Três Rios. Antes, era decretado feriado e tinha festa o dia inteiro e show à noite. Agora, transferiram o feriado para o dia 26/12 quando todos, literalmente, mal conseguem beber um gole de cerveja.

Tem mais, depois que inventaram o Black Friday, pediram para chegar antes dele porque tem estoques encalhados por todas as lojas.

Não fique triste, Papai Noel, as coisas vão melhorar...

“Melhorar? Aqui em Juiz de Fora, me contaram, há algum tempo receberam com facadas um político que consideravam um novo Messias. Por essa razão, a direção do Shopping sugeriu trocar minha roupa vermelha por uma verde e amarela. Eu protestei. E a minha comissão com a Coca-Cola, como ficaria?

Meu sindicato protestou, mas soube que o tal Messias, que resistiu e foi eleito pelo povo, vai acabar com eles, fechar o Ministério do Trabalho após aprovar a reforma da previdência em que só irei aposentar com 90 anos. “

“Até lá, desabafou nosso bom velhinho, nem eu mesmo acreditarei mais em mim!".

É meu amigo, não está fácil para ninguém. Enfim, o que posso ajudá-lo para reverter este quadro e melhorar o seu Ibope junto às crianças e com o público em geral?

Daí Papai Noel chegou mais perto de mim e confidenciou: “Por acaso, você tem uma faca aí?”

Por José Roberto Padilha
Imagem: Reprodução

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