O Novo Flautista de Hamelin

Uma coisa ninguém há de negar: a Constituição Cidadão, de 1988, alcançou muitos avanços sociais. Incorporou direitos, restringiu desigualdades seculares e distribuiu melhor a renda e as oportunidades.

Ela veio traduzindo os anseios, prementes, de duas décadas vividas sob um regime autoritário, de exceção, uma ditadura que ninguém aguentava mais.

Nosso país, então, muito cedo diante da sua história coroada de insurreições, golpes e revoluções, passou a exercer democracia da noite para o dia em um terreno minado por rancores, ódios e preconceitos.

Pois se meus avós viveram em uma sociedade em que os gays e lésbicas precisavam viver envergonhados e escondidos, porque a nossa haveria de aceitar, passivamente, que andassem de mãos dadas pelas ruas e se beijassem em público?

Se os meus pais conviveram com raríssimos negros em suas universidades, porque a nossa aceitaria que se multiplicassem no ensino superior diante do regime de cotas?

E que Sala VIP é essa, do Aeroporto Internacional do Galeão, que passou a ter a presença de um classe não tão nobre, que tinha a cara da Rodoviária Novo Rio?

Muitos aceitaram conviver com a profusão dos direitos iguais que passaram a ser difundidos. Mas muitas patroas se revoltaram com a petulância de suas domésticas que ousaram deixar suas cozinhas para morar em Minha Casa & Minha Vida. E cuidar da prole através dos benefícios do Bolsa Família.

Daí partiram para as janelas bater um utensílio que mal sabiam o que fazer com elas. Nem arroz, nem feijão. Só sabiam mesmo bater em protestos suas panelas.

Desse jeito, privilégios, concessões, favorecimentos herdados pela burguesia passaram a ser questionados. 

Eles engoliram a seco, se reagissem, seus vizinhos não entenderiam porque violariam uma carta magna que veio da Anistia, das Diretas Já, de cada grito engasgado da maioria faminta do povo brasileiro.

Para eles, burgueses, como tinha sido duro pagar essa conta recente da democracia. Estavam abafados e precisavam ficar calados. Até que surgiu o Bolsonaro.

Jair Bolsonaro nada mais é do que o novo Flautista de Hamelim. Que veio tocar de volta para as tocas os brasileiros que começaram a sair dos ralos. Os que enxergavam, pela vez primeira, uma luz no fim do túnel da igualdade social.

Esse mesmo túnel que muitos foram às ruas, na terça-feira, feriado de 7 de setembro, para mostrar que no Brasil são poucos os que merecem brilhar. E que cada um deve permanecer em seu devido lugar.

Por José Roberto Padilha

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