Profissão: Reserva

O Teatro Municipal não tem um banco de reservas como o do Maracanã. O ator ensaia durante a semana, decora o texto, sobe no palco e dá o seu recado. No cinema, então, se estiver escalado no banco nem aparece na fita. Como explicar para os outros artistas a triste vida de um artista da bola escalado no domingo para ficar na reserva do seu time?

Palavra de quem passou um bom tempo por ali: nada é pior na vida de um jogador que ser reserva. Só quem sentou no banco para Rogério Ceni e, hoje, está na reserva do interminável Fábio, do Cruzeiro, alcança a extensão deste martírio.

O desconforto já começa quando as imagens percorrem aquele “fosso das ilusões perdidas” antes do começo da partida. Eles sabem que vai ter um azião na sala, no sofá junto à família, ou na mesa de um barzinho cornetando: “Olha lá os sujas roupas! Não fazem nada, recebem uma fortuna e ainda ganham gratificações”.

Cada close dado naquele amarelado e desconfortado grupo representa meio milhão de reais a menos no mercado da bola.

Depois que assinei meu contrato profissional, em 1972, fui reserva dois anos do Lula. Não tinha bola suficiente para concorrer com um ponta esquerda da seleção brasileira. Quando ele era convocado, disputava uma Taça Guanabara, entrava nos amistosos excursionando pelo país.

Se não fosse vendido ao Internacional, em 1974, e Carlos Alberto Parreira assumisse e me desse a brecha que sonhava, estaria hoje trabalhando no Bradesco. A paixão e a permanência em um banco seria maior que a vivida dos gramados.

Certa vez, tinha tanta certeza que não entraria, pois o Lula estava voando, que nem amarrei minhas chuteiras. Para que ficar com os pés apertados 90 minutos? O treinador era o Duque. O ano de 1973. Ganhávamos de 1x0, o Lula machuca faltando 10 minutos e ele dá um grito: "Vamos, Zé Roberto, rápido!"

Mal comecei a amarrar as chuteiras e ele gritou: "Rubens Galaxe, entra você! Soldado que vai pra guerra tem que estar com a arma carregada!". E o Rubens nem era ponta-esquerda.

Como essa, por ali vivi, sentado, torcendo, sofrendo e apreciando, experiências inusitadas. Era novo, podia esperar, aprender os truques daquela fascinante profissão ao entrar aos poucos nas partidas. Mas tinha craque rodado impaciente e estressado.

Já chegava com o dedo cruzado para secar o titular e esclarecia: “Escuta, menino, aqui não é local de hipocrisia. Torcer é na arquibancada. Não torço contra o Samarone, nem contra o Cláudio (que eram da sua posição), apenas desejo que eles joguem mal. Sofram uma leve lesão, nada séria, para que eu possa entrar.”

E filosofava: “Na pior das hipóteses, uma derrota cairia bem. Treinador é tudo igual: vai ter que mexer no time para dar satisfações à torcida e aí temos chances!” E finalizou: “Não estamos aqui para bater palmas para macaco dançar!”.

Calma Bernardinho, estou falando do banco de jogadores de futebol!

Para os que acham que acabou o martírio dos reservas junto ao texto, a tragédia avança depois da partida. Quando o juiz apita, ainda vem o preparador físico com o estádio vazio os aquecer para uma corrida. E tome abdominal, flexões, piques que poucos assistem com os refletores desligados.

Ah! Tem gente que presencia sim. Pois quando um reserva chega em casa, seu filho, gente boa, que permaneceu ouvindo os comentários enquanto a TV dava alguns closes em sua performance sem a bola, ainda é capaz de piorar as coisas: “Treinou bem,hem pai!”

Uma pena não ser no teatro, senão os reservas pediriam para fechar a cortina. Elas só abririam se entrasse em campo. E terminava com uma agonia que vai continuar no banco de reserva do seu time já no próximo domingo.

Por José Roberto Padilha

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